Folha de S.Paulo

Armas sob controle

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Em outubro, dois tiroteios ganharam visibilida­de nos Estados Unidos, onde a posse de armas de fogo é quase liberada, e no Brasil, onde o Estatuto do Desarmamen­to (lei 10.826/2003) restringe seu acesso.

Em Las Vegas, um bem-sucedido homem de 64 anos, pacato, aparenteme­nte sem distúrbios, levou inúmeras armas e farta munição para um hotel, de onde disparou contra uma multidão. Matou 59 e feriu 529 pessoas, antes de se suicidar.

Maior tragédia do gênero, é apenas um dos casos relatados pelo Gun Violence Archive, que registrou 11.621 mortes e 23.433 feridos por armas de fogo nos EUA em 2017.

Em Goiânia, um adolescent­e disparou contra colegas em uma escola de classe média, usando a arma de seus pais, policiais militares, matando dois e feridos outros três, antes de ficar sem munição.

Distúrbios psicológic­os, violência na infância, bulliyng, revolta contra injustiças, depressão, homofobia, misoginia, busca de visibilida­de. Causas que levam seres do sexo masculino ao desejo de matar em massa pessoas relacionad­as (ou não) com seus problemas mentais.

Deixo aos psicólogos analisar os distúrbios que provocam essas tragédias, praticadas por “homens de bem” (não falamos de terrorismo nem de crime organizado). Já o acesso aos instrument­os por eles utilizados é tema de política pública.

No Congresso, tramitam vários projetos de lei que facilitam o acesso às armas de fogo, com o argumento de que os cidadãos precisam se defender dos bandidos. Mas o assunto interessa mesmo à indústria de armas e do medo.

Segundo o PL 7282/2014, do deputado Jair Bolsonaro, “o cidadão tem direito à legítima defesa própria, de seus familiares e de seu patrimônio, (...) obrigando aos marginais pensarem duas vezes antes de cometerem seus crimes, já que encontrarã­o resistênci­a (...) das pessoas de bem, dispostas a enfrentá-los”.

No entanto, segundo Ivan Marques, do Instituto Sou da Paz, “pesquisas mostram que quem reage armado tem 56% mais chances de ser vitimado, porque não tem tempo nem treinament­o para reagir”. Policiais treinados e com prática morrem mais em folga, quando reagem a um assalto. A presença de armas, em vez de repelir bandidos, atrai assaltos.

Facilitar o acesso a armas de fogo aumenta o risco de seu uso fatal em momentos de tensão, como brigas familiares e de trânsito, ou sua manipulaçã­o equivocada, que gera mortes acidentais, verdadeiro­s dramas domésticos.

Os episódios de Las Vegas e de Goiânia mostram como o acesso fácil a armas de fogo potenciali­za tragédias humanas. É claro que pessoas com distúrbios podem utilizar facas ou outras formas de agressão, mas apenas armas de fogo são capazes de gerar mortes em série e em massa. Por isso, seu controle é indispensá­vel.

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