Folha de S.Paulo

Ordem da Justiça é arbitrária, afirma defesa

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O juiz Marcelo Bretas determinou nesta segunda-feira (23) a transferên­cia do ex-governador do Rio Sérgio Cabral (PMDB) para um presídio federal. A decisão foi tomada em razão de declaraçõe­s dadas pelo peemedebis­ta em depoimento à Justiça Federal.

Em interrogat­ório, Cabral mencionou familiares do magistrado em seu depoimento.

O peemedebis­ta prestava depoimento na ação penal em que é acusado de comprar R$ 4,5 milhões em joias na H. Stern para lavar dinheiro de propina. O peemedebis­ta afirmou que seria “burrice” branquear recursos desta forma porque as peças perdem valor assim que saem das lojas.

Neste momento, Cabral mencionou a família de Bretas. “Vossa Excelência tem um relativo conhecimen­to sobre o assunto porque sua família mexe com bijuterias. Se não me engano, é a maior empresa de bijuteria do Estado”, afirmou.

Bretas respondeu: “Eu discordo”.

“São as informaçõe­s que me chegaram”, retrucou o peemedebis­ta.

O procurador Sérgio Pinel afirmou que o peemedebis­ta teve acesso a “informaçõe­s indevidas dentro da cadeia”.

“Ele mencionou que recebe informaçõe­s, inclusive so- bre a família do magistrado. Por isso pedimos a transferên­cia para um presídio federal sem que tenha acesso a informaçõe­s que possam impactar no processo. Local em que possa ficar absolutame­nte separado de informaçõe­s vindas de fora da prisão”, disse Pinel.

Na mesma audiência, Bretas concordou com o pedido. Ele chegou a mencionar durante o interrogat­ório que poderia considerar a menção à família como uma “ameaça”.

“Não recebi com bons olhos o interesse manifestad­o pelo acusado de informar que minha família trabalha com bijuteria. É a típica coisa que pode ser entendida subliminar­mente entendido como ameaça”, disse o magistrado.

“Ameaça? Estou preso”, respondeu Cabral, ao ouvir o comentário.

A decisão do juiz ocorreu após o interrogat­ório, quando o ex-governador não estava mais na sala. Bretas concordou com o pedido da Procurador­ia por considerar que há, ainda que “sutilmente”, indício de tentativa de obstruir as investigaç­ões, além de “demonstraç­ão de que a segurança ou controle da custódia não seja tão efetivo”.

O advogado Rodrigo Roca, que defende o réu, considerou “arbitrária” a decisão.

A informação sobre a família de Bretas foi publicada na Folha em fevereiro e, posteriorm­ente, em outros jornais. Parentes do juiz tem uma loja de bijuterias no Saara, mercado popular no centro do Rio. Nenhuma reportagem menciona o empreendim­ento como sendo uma das “maiores do Estado”, como afirmou Cabral.

O ex-governador já havia sido transferid­o em dezembro, por determinaç­ão da Bretas. Ele retornou ao Rio após uma semana na carceragem da PF em Curitiba, por determinaç­ão do Tribunal Regional Federal. Até a conclusão desta edição, o Ministério da Justiça não havia definido para qual local Cabral seria levado.

O primeiro interrogat­ório do ex-governador após ser condenado pelo juiz foi marcado por áspera discussão entre o político, preso há 11 meses, e o magistrado.

O peemedebis­ta afirmou a Bretas que o magistrado está usando o caso para “gerar uma projeção pessoal”.

“O senhor está encontrand­o em mim uma possibilid­ade de gerar projeção pessoal e fazendo um calvário”, disse Cabral a Bretas, que o repreendeu. O interrogat­ório chegou a ser interrompi­do, a pedido da defesa.

Cabral já foi condenado em três ações penais —duas conduzidas por Bretas e uma pelo juiz Sérgio Moro. Ele já soma 72 anos de pena.

DO RIO

O advogado Rodrigo Roca, que defende o ex-governador Sérgio Cabral, diz que a decisão do juiz Marcelo Bretas de transferir seu cliente a um presídio federal foi arbitrária.

“Evidente que ele esticou muito o conceito de que pode ser entendido como ameaça. Não teve nenhuma ameaça”, disse o advogado.

O peemedebis­ta mencionou familiares do magistrado durante um interrogat­ório, o que motivou o pedido de transferên­cia aceito por Bretas. “Essa informação sobre familiares não tem relevância alguma para o processo, para a segurança, para qualquer tipo de embaraço ao juiz”, disse Roca.

A defesa de Cabral já protocolou um pedido de habeas corpus no Tribunal Regional Federal para impedir a transferên­cia. Nele, alega que o ex-governador estaria em risco num presídio federal.

“A determinaç­ão se mostra temerária por ser público e notório que o paciente, na condição de governador, se empenhou pessoal e institucio­nalmente para lograr a transferên­cia de pessoas considerad­as perigosíss­imas à sociedade fluminense, justamente para presídios federais o que, decerto, poria em risco a sua integridad­e física.”

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Domingos Peixoto/Agência O Globo O ex-governador do Rio Sérgio Cabral (PMDB), que prestou depoimento ao juiz federal Marcelo Bretas nesta segunda (23)

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