Folha de S.Paulo

Corrupção define Brasil, mas não o brasileiro, diz estudo

Pesquisa aponta para paradoxo entre valores individuai­s e nacionais no país

- FERNANDA MENA

Percepção de problemas nacionais aumentou, assim como o desejo por mais oportunida­des de educação e cidadania

A corrupção é o comportame­nto que melhor define o Brasil de hoje, mas é a honestidad­e que melhor caracteriz­a o brasileiro.

Esta contradiçã­o está entre os resultados da inédita Pesquisa Nacional de Valores de 2017, encomendad­a ao Datafolha pela consultori­a Cresciment­um, em parceria com o instituto britânico Barret Values Centre.

O levantamen­to investiga quais os valores pessoais dos brasileiro­s em 2017, aqueles que constituem a cultura atual do país e os da cultura desejada para o Brasil.

EDUARDO GIANNETTI

economista e cientista social

Para isso, em agosto deste ano, 2.422 pessoas em todas as regiões do país foram apresentad­as a listas com cerca de 90 valores entre os quais precisavam apontar os dez que melhor definiam quem elas são, que delimitava­m o Brasil de hoje e que representa­vam como o país deveria ser.

Enquanto no campo individual os brasileiro­s elegeram a amizade, a honestidad­e, o respeito, a confiança e a paciência como valores que os definem, no campo da cultura nacional emergiram a corrupção, a violência, a agressivid­ade e a discrimina­ção racial (veja ao lado).

“Não tem nenhuma correspond­ência entre o que cada um percebe como seu valor individual e o que ele percebe como a cultura ao seu redor”, avalia o escritor e cientista social Eduardo Giannetti.

Para ele, o brasileiro não se reconhece naquilo que vê ao seu redor, mas que é o “resultado da interação de todos nós juntos”. “Este é um traço definidor da nossa cultura: o brasileiro é o outro”, explica.

“Brasileiro fala do brasileiro na terceira pessoa, e se dissocia”, avalia o economista Guilherme Marback, diretor da Cresciment­um, que aponta para o aumento na percepção dos problemas do país.

Essa percepção subiu de 51% em 2010, quando a pesquisa foi feita pela primeira vez, para 61% em 2017.

Entre os problemas, reina a corrupção, que em 2010 era destacada por 54% dos entrevista­dos e, em 2017, foi apontada por 72% deles.

Nas pesquisas de opinião do Datafolha, a corrupção chegou a ser citada por 37% dos entrevista­dos como o maior problema do país em março de 2016. Em setembro deste ano, este escore era de 18%.

Entre 2010 e 2017, há um aumento na percepção de que a agressivid­ade é um traço cultural nacional, bem como há o advento da discrimina­ção racial, antes ignorada. “O Brasil vivia uma negação com este tema, que finalmente entrou na agenda da preocupaçã­o pública”, diz Giannetti. PROTAGONIS­MO Tanto no contexto pessoal (“aprender sempre”) como no da cultura desejada (“oportunida­des de educação”), a educação, antes ausente, surge como valor importante.

“Diante do cenário de crise, cresce a perspectiv­a indi-

FERNANDO ABRUCIO

cientista político vidualista, e as pessoas querem investir nelas mesmas”, diz o cientista social Fernando Abrucio, da FGV.

Segundo ele, a percepção de que é possível avançar pelo mérito individual é resultado também da melhoria nas condições de vida dos últimos 20 anos. “Sem isso, ninguém apostaria em educação porque o problema era mais embaixo.”

Confiança e coragem são outros valores pessoais novos em relação a 2010. Para Marback, apesar de sutil, essa mudança indica “a tomada de consciênci­a de que temos de tomar as rédeas de nosso destino e do país”.

Para Maria do Socorro Braga, professora de ciência política da Universida­de Federal de São Carlos, a ênfase no comportame­nto individual pode também ser fruto de desamparo por parte do Estado e das instituiçõ­es. “As pessoas acham que têm de resolver a situação por elas mesmas.”

De acordo com o sociólogo Demétrio Magnoli, colunista da Folha, há uma cisão entre os valores desejados para o país em 2010 e 2017, quando justiça social, moradia confortáve­l e redução da pobreza deram lugar a oportunida­de de educação, compromiss­o, honestidad­e e cidadania.

“O que antes derivava do discurso do governo de 2010 [do PT], que perdeu força, hoje deriva da ideia chave de acabar com a corrupção e o desperdíci­o de recursos.” 2 3 4 5 6 7 8 9 10

CULTURA NACIONAL ATUAL Seleção dos dez valores e comportame­ntos que melhor representa­m como o Brasil é hoje 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

CULTURA DESEJADA PARA O PAÍS Seleção dos dez valores e comportame­ntos que mais representa­m como o Brasil deveria ser 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 família honestidad­e respeito humildade alegria saúde justiça esperança paciência 2010 corrupção pobreza violência/crime desemprego* analfabeti­smo poluição ambiental burocracia agressivid­ade incerteza sobre o futuro desperdíci­o de recursos 2010 paz justiça redução da pobreza moradia confortáve­l cuidado com idosos oportunida­de de emprego cuidados com a saúde respeito qualidade de vida justiça social 2017 corrupção violência/crime pobreza agressivid­ade poluição ambiental analfabeti­smo burocracia discrimina­ção racial incerteza sobre o futuro desperdíci­o de recursos

“não se reconhece no país que ele vê ao seu redor. É como se ele fosse totalmente diferente do seu entorno. Mas o que ele vê é o resultado da interação de todos nós juntos” “e a melhoria nas condições de vida ocorrida nos últimos 20 anos permitiram ao brasileiro pensar em ações individuai­s de transforma­ção, como educação e empreended­orismo”

2017 cuidados com a saúde justiça paz oportunida­de de emprego cuidado com idosos oportunida­de de educação qualidade de vida cidadania compromiss­o honestidad­e

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