Folha de S.Paulo

OPINIÃO País vizinho mostra um caminho viável para a região

- BRIAN WINTER

fragmentad­o.”

Para o estudioso, esta eleição marcou também o teto do eleitorado que Cristina ainda pode congregar. “É difícil com o quadro de hoje pensar que ela possa vencer em 2019. Mas a Argentina é muito volátil. Temos de ver como será seu desempenho no Senado.” CASO MALDONADO Durante a sessão de perguntas, Macri foi indagado sobre o caso do artesão Santiago Maldonado, encontrado morto dois meses depois de participar de um protesto de indígenas mapuche reprimido pela Gendarmeri­a (polícia federal de fronteiras).

O presidente disse que havia conversado com a família e entendia sua dor (“vi como ficou minha mãe depois que morreu minha irmã”), mas não havia nada mais a fazer além de “esperar que a Justiça esclareça o que ocorreu”.

Macri disse que a maior discrição da festa da vitória no domingo não tem relação com o caso. “Festejamos como sempre, e rápido, para logo voltarmos ao trabalho.”

Indagado se a vitória o levava a sonhar com a reeleição, disse que “esse é um assunto para pensar depois”.

O mercado reagiu bem à vitória de Macri. O dólar caiu 0,9% e os papéis de empresas argentinas negociados em Nova York subiram até 5%.

FOLHA

Animai-vos, fãs de sanidade fiscal, do consenso democrátic­o e da Lava Jato. As eleições da Argentina provam que existe demanda por esses três conceitos supostamen­te antiquados em 2017.

A vitória esmagadora da coalizão Mudemos, do presidente Mauricio Macri, tem grande significad­o para a Argentina, o restante da América Latina e talvez o mundo.

Demonstra que um líder pragmático pode dizer verdades difíceis, começar a corrigir uma década de erros populistas, suportar uma recessão cruel... e ainda assim emergir vitorioso das urnas.

De fato, se considerar­mos os presidente­s dos sete países mais populosos da América Latina, só Macri tem índice de aprovação (50%) superior ao de Donald Trump (36%). Os demais —de Michel Temer (5%) ao colombiano Juan Manuel Santos (25%) e ao mexicano Enrique Peña Nieto (28%) — continuam presos em um ciclo de escândalos e decepções econômicas. Por que Macri é diferente? Da última vez que um presidente de direita governou a Argentina, Carlos Menem se gabou de realizar uma “cirurgia sem anestesia”, para promover a reforma econômica.

Macri cuidou de não matar o paciente. Optou por uma abordagem gradual no corte do deficit orçamentár­io e pela eliminação dos subsídios da era Kirchner, que eram populares, mas estavam levando a economia à bancarrota.

Para parte do setor de negócios, a mudança não parecia rápida o suficiente. Mas agora está claro que Macri calibrou perfeitame­nte a dosagem do remédio à capacidade do paciente de absorvê-lo.

Mesmo assim, não foi fácil. A economia suportou recessão em 2016 e inflação de 36%. Agora volta a crescer, e deve fechar 2017 com 2,5% de avanço, o que impression­a mais dada a crise no Brasil, parceiro comercial chave.

Isso posto, a economia explica apenas parte do apoio a Macri. Muitos argentinos sentem que ele está reinserind­o o país no planeta, e ao mesmo tempo deixando claro que não tolerará a corrupção do passado recente —o que inclui as repercussõ­es argentinas da Lava Jato. Macri pode não ser o mensageiro perfeito quanto a isso (o nome dele constava dos Panama Papers, que expuseram contas escusas no exterior). Mas a maioria dos argentinos vê progresso, ainda assim.

Agora nos aproximamo­s de um ano no qual oito países que respondem por dois terços da população regional elegerão presidente­s.

Pode ser a transforma­ção política mais importante em uma geração. Em diversos países, inclusive Brasil e México, a tentação do nacionalis­mo populista, seja de esquerda ou de direita, cresce.

Macri mostra outro caminho possível. Ele falou de consenso e diálogo com a oposição para aprovar reformas, e de mudar a marcha da economia. A impressão era que nada disso continuava viável. Ao menos por um dia, tais ideias voltaram à moda.

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