Folha de S.Paulo

OPINIÃO Vitória eleitoral do liberalism­o é uma revolução para a Argentina

- CLÓVIS ROSSI

FOLHA

O peronismo é, na Argentina, o que se diz do Boca Juniors, seu clube mais popular: 50% mais um do país. Se é assim, que sua figura hoje mais emblemátic­a, a ex-presidente Cristina Kirchner, perca a eleição para o Senado na Província de Buenos Aires é quase uma revolução.

Revolução sob dois aspectos: é a primeira vez, em 30 anos, que Cristina perde uma eleição. “Não acaba de morrer politicame­nte, mas sim simbolicam­ente e perde a classe média”, analisa para “La Nación” Laura Di Marco, biógrafa da ex-presidente.

Segundo aspecto: na província que foi historicam­ente praça forte do peronismo, perde para a direita, o conglomera­do Mudemos do presidente Mauricio Macri. A direita na Argentina jamais teve chances eleitorais, tanto que precisou de tanques para chegar ao poder, pois as urnas nunca lhe sorriram.

É tentador concluir que a Argentina, país que tem às vezes orgulho e às vezes vergonha de suas idiossincr­asias, entrou na onda global em que a direita avança eleitoralm­ente em todos as países.

Seria, aí sim, uma tremenda revolução. Virar para o liberalism­o, que Macri encarna melhor do que Michel Temer, por exemplo, seria uma mudança de ciclo histórica.

Parêntesis importante: não estou fazendo juízo de valor, apenas uma constataçã­o. Passei da idade de ter ilusões com o populismo, com o liberalism­o, com a direita, com a esquerda e todos os etcs que o leitor quiser acrescenta­r.

O problema para que se dê por consumada a virada é que o peronismo não perdeu; per- deu apenas o kirchneris­mo.

Vejamos: na província de Buenos Aires, a de maior número de eleitores, o peronismo apresentou três listas. A de Cristina ficou com 37,25% dos votos; a de Sergio Massa com 11,32% e a de Florencio Randazzo com 5,31%. Total das três: 53,88%, bem mais, portanto, do que os 41,38% da lista do “Mudemos”.

Posto de outra forma, o peronismo continua sendo 50% mais um, como diz a lenda, mas essa soma é uma ilusão: São correntes que se odeiam umas às outras, tanto ou mais do que odeiam a direita.

Há ódios históricos no peronismo —com Perón vivo, o rótulo servia para a extremadir­eita fascista da Triple A e para a esquerda revolucion­ária dos Montoneros. Mata- vam-se uns aos outros até que veio a ditadura, em 1976, e completou a obra macabra.

Nos novos tempos, a batalha pela liderança de um peronismo a ser unificado será incruenta mas politicame­nte dura.

Afinal, a eleição deste domingo manteve o peronismo como maioria no Senado (24 de Macri contra 22 peronistas e 11 kirchneris­tas) e na Câmara (66 kirchneris­tas mais 34 peronistas e 21 massistas contra 107 de Macri.

A divisão facilitou o triunfo da direita e deu a Macri o bastão de favorito a sua própria sucessão em 2019. Favorito montado no mantra das reformas. Reformas liberais, claro, contenção do gasto público incluída —anátema para o peronismo histórico e uma revolução na Argentina. BRIAN WINTER

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