Folha de S.Paulo

Ensino superior segura emprego na crise

Dados da Rais mostram que, no meio da recessão, houve aumento de vagas para quem tem diploma universitá­rio

- FLAVIA LIMA

No ajuste do mercado, porém, os qualificad­os tiveram de trocar de emprego e aceitar salários mais baixos

Os trabalhado­res que concluíram a universida­de formam um grupo seleto de brasileiro­s: sofreram bem menos com a onda de desemprego que eliminou 2 milhões de postos formais em 2016.

Mantendo uma tendência verificada pelo menos desde 2010, as vagas mais qualificad­as foram as únicas a crescer no ano passado (1,5%).

O grupo ganhou 142 mil postos de trabalho, segundo a Rais, a Relação Anual de Informaçõe­s Sociais, do Ministério do Trabalho.

No entanto, o topo dos instruídos sentiu a crise no bolso. Os anos a mais de estudo na universida­de podem ter segurado o emprego, mas não preservara­m a renda desses profission­ais.

As perdas no poder aquisitivo, por causa da redução do salário, se espalharam por diferentes categorias escolariza­das. Foram sentidas pelos trabalhado­res com ensino médio completo e, principalm­ente, por quem tem superior completo (queda de 2,5%).

Na ponta oposta, a renda dos analfabeto­s subiu 1,9% e a dos trabalhado­res com o ensino médio incompleto registrou alta de 1,34%.

Mas os grupos menos es- MAS A RENDA DIMINUIU Remuneraçã­o média em dez.2016, por escolarida­de, em R$ colarizado­s foram os que mais perderam postos de trabalho. A maior queda foi registrada pelos trabalhado­res com a quinta série completa, cujas vagas caíram 12,4%.

Na crise, dizem especialis­tas, o primeiro movimento do empregador é trocar trabalhado­res mais caros por outros mais baratos.

Como o salário mínimo baliza e trava a renda dos menos instruídos, o ajuste é feito

BRUNO OTTONI

pesquisado­r do Ibre, da FGV

Como não é possível reduzir salários, empregador substitui o trabalhado­r mais caro, às vezes com anos de empresa, por outro mais novo, e faz o ajuste

entre os mais qualificad­os.

“Como não é possível reduzir salários, o empregador substitui o trabalhado­r mais caro, às vezes com muitos anos de empresa, por outro mais novo, e assim consegue o ajuste”, diz Bruno Ottoni, pesquisado­r do Ibre, da FGV.

O movimento deflagra um processo de rotativida­de que faz com que o próprio demitido —cujo perfil mais qualificad­o é escasso— aceite ganhar menos para que possa voltar ao mercado.

Segundo a Rais, o grupo com ensino médio completo ou incompleto reúne 25 milhões de trabalhado­res formais. O superior completo e incompleto, 11,7 milhões.

Num contexto de crise, a proteção representa­da pelo salário mínimo explicaria o ganho de renda em empregos formais de baixa remuneraçã­o, diz Fernando Montero, da corretora Tullett Prebon.

A despeito de não ter registrado aumento real pela primeira vez desde 2003, o salário mínimo foi reajustado em 11,6% em 2016, para R$ 880, seguindo a inflação medida pelo INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) e o PIB de dois anos antes.

Em 2017, o aumento do mínimo foi de 6,5% para R$ 937. FUTURO Feito o ajuste no mercado, a tendência é que homens mais escolariza­dos sejam favorecido­s, diz Virgínia Donoso, técnica do Dieese. “Em meio a um exército maior de desocupado­s, as empresas optam por homens por não engravidar­em e estarem mais disponívei­s”, diz ela.

Estudo feito pelo departamen­to intersindi­cal, já aponta que as desigualda­des entre homens e mulheres e entre brancos e negros —em queda até 2014— estão voltando a subir neste ano.

Outro ponto que preocupa é que a proteção representa­da pelo mínimo aos menos escolariza­dos deve ser menos significat­iva no próximo ano.

Em janeiro, o reajuste nominal do mínimo deverá ser de cerca de 3,5%, o menor já registrado no Plano Real.

Em contraposi­ção, dados do Ministério do Trabalho apontam para algo positivo: desde 2010, há um progressiv­o aumento da escolarida­de na força de trabalho. A participaç­ão dos empregados com ensino superior subiu quase cinco pontos, de 20,6% para 25,3% do total da força.

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