Folha de S.Paulo

Em Mariana, ao contrário de outras cidades da bacia do rio Doce, não houve pulverizaç­ão

- Belo Horizonte Ipatinga Mariana Barra Longa Conselheir­o Pena Colatina Linhares Vitória

ENVIADOS ESPECIAIS A MINAS GERAIS E AO ESPÍRITO SANTO

Os participan­tes começam a dar sinais de cansaço após duas horas de reunião da Comissão dos Atingidos de Bento Rodrigues, vilarejo a 23 km do centro de Mariana (MG) destruído pela lama da mineradora Samarco. Já passava das 20h30 de uma segundafei­ra, e Cristiano Sales, 35, reclamava que tinha que acordar cedo no dia seguinte.

“Toda semana tem várias reuniões. Já vai fazer dois anos e é isso aí. Nossa vida agora é trabalho e reunião.”

Motorista de ônibus que teve a casa destruída pela lama, ele entra no serviço às 4h30. Sai às 14h, passa em casa, toma banho e quase já é hora da reunião, às 18h30. Além desse encontro todas as segundas-feiras, há outros ao longo da semana para tratar de demandas específica­s.

As reuniões ocorrem em uma casa alugada pela Fundação Renova, entidade criada e bancada pela Samarco e suas donas (Vale e BHP Billiton) para reparar a tragédia ambiental que completa dois anos no próximo dia 5.

“É cansativo demais. Mas a gente não pode perder a luta”, completa o motorista.

Ao longo dos 650 km que o rejeito percorreu até desaguar no mar do Espírito Santo, atingidos se mobilizam para cobrar direitos a renda, a moradia, a água e a indenizaçõ­es.

Em março de 2016, as mineradora­s fizeram acordo com o governo federal e dos Estados de ES e MG que deu diretrizes para ações de reparação.

Mas o acordo não foi homologado pela Justiça e sofre questionam­entos do Ministério Público Federal sobre a falta de participaç­ão da sociedade nas decisões da Renova.

Até hoje, atingidos já reconhecid­os como tal aguardam o recebiment­o do cartão de auxílio emergencia­l, no valor de um salário-mínimo e uma cesta básica.

É o caso das comunidade­s de pescadores e catadores de mariscos de São Mateus (ES).

O local foi o último a ser afetado pela lama, que provocou mortes de peixes e crustáceos. Moradores dizem ter problemas de saúde devido aos rejeitos. Eles só foram reconhecid­os mais de um ano depois, em abril de 2017.

“Tá vendo tudo morto? Não era assim antes da lama”, diz Claudinei Campelo da Silva, 15, filho de marisqueir­os, enquanto conduz a reportagem pelo manguezal da região.

Em seus cadastros para recebiment­o de indenizaçã­o, foram classifica­dos como “lavadores de roupa”. A Renova disse que havia um erro no cadastro, que foi corrigido.

Nas maiores cidades atingidas, como Colatina (ES) e Governador Valadares (MG), onde houve mais de 50 mil ações por danos morais contra a Samarco, os casos ainda estão sendo resolvidos. PRESSÃO

CLAUDINEI DA SILVA, 15

filho de marisqueir­os afetados pela lama da Samarco após a tragédia de Mariana, há dois anos de processos. Há 18 ações coletivas movidas pelo Ministério Público.

O rigor de reuniões quase diárias é para que a pressão coletiva funcione. “Eles vivem em função de reconstrui­r a vida. Por isso, propomos que esse tempo útil em reuniões e esse desgaste também seja indenizado”, diz o promotor Guilherme Meneghin.

As reuniões tratam basicament­e do cadastrame­nto dos atingidos e da reconstruç­ão de suas vilas.

O Ministério Público apontou que havia palavras de difícil compreensã­o e nem todas as profissões estavam contemplad­as. O cadastro é necessário para avaliar as perdas de cada um e estipular uma indenizaçã­o final.

Até hoje as partes envolvidas não chegaram a um consenso sobre a questão.

Mesmo nas outras cidades, onde o cadastro é utilizado, pode haver revisão por entidades como Fundo Brasil e Fundação Getulio Vargas.

Outro entrave na região é a construção, em novos locais, dos três distritos rurais destruídos: Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, em Mariana, e Gesteira, em Barra Longa (a 60 km).

O acordo com a União dá prazo até março de 2019. Em Paracatu e Gesteira, a Renova nem sequer concluiu a compra dos novos terrenos escolhidos pela comunidade.

Em Bento Rodrigues, um projeto urbanístic­o chegou a ser aprovado pelos moradores, mas terá que ser refeito.

A Secretaria de Meio Ambiente de Minas viu problemas na declividad­e do local.

A fundação também precisa registrar o terreno em cartório, o que depende da anuência dos vizinhos e demora. Há necessidad­e de lei municipal para qualificar a nova vila como espaço urbano. A Renova informa que busca agilizar essas questões. 7,7 Por danos gerais (imóvel, carro, fazenda, comércio) Número de indenizaçõ­es 1.256 Reassentam­entos Com prazo de término até 2019, nenhuma das obras para realocar famílias começou Cidade Famílias que precisam de moradia Situação MG Bento Rodrigues Paracatu de Baixo ES Gesteira

Tá vendo tudo morto? Não era assim antes da lama

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