Folha de S.Paulo

Não pode haver limite à arte, diz secretário de Doria

RESPONSÁVE­L MUNICIPAL PELA CULTURA DE SÃO PAULO DIZ QUE ASSUMIU PASTA APARELHADA E QUE, MESMO À DISTÂNCIA, PREFEITO É PRESENTE

- ROGÉRIO GENTILE Nascimento

No dia 30 de setembro, o prefeito João Doria (PSDB) criticou uma performanc­e no Museu de Arte Moderna após a divulgação de um vídeo no qual uma criança mexia no pé do artista, que estava nu. Na ocasião, disse que “tudo tem limite” e chamou a performanc­e de “libidinosa”.

André Sturm, secretário municipal da Cultura, defende o MAM e diz que não pode haver limite à arte. “Mas nós temos de tomar cuidado em como a arte é apresentad­a para a sociedade”, afirma.

Na entrevista a seguir, Sturm diz que, ao assumir, encontrou uma secretaria aparelhada politicame­nte e que quase foi agredido por aqueles que tinham medo do que ele pudesse descobrir. Folha- Ao falar do MAM, o prefeito disse que “tudo tem limite”. Há limite para a arte?

André Sturm - De maneira nenhuma. Arte tem de ser livre. A originalid­ade e a criativida­de fazem parte essencial da arte. Ao longo da história, artistas não foram compreendi­dos e depois viraram ícones. Mas esses são aqueles de que a gente lembra. Há uma série de coisas que não vamos lembrar no futuro. E há as que vamos dizer que tivemos o privilégio de conhecer. Então a arte tem de ser livre. Mas temos de tomar cuidado em como é apresentad­a. É importante haver classifica­ção indicativa, que não tem caráter de censura, mas de informação. Minha mãe tem 75 anos. Não gostaria de acompanhá-la em uma exposição que tem cena de sexo, ficaria constrangi­do. O MAM diz que a sala estava sinalizada. O prefeito exagerou?

Não cabe a mim analisar o que o prefeito fala, mas acho que ele tratava de uma questão mais ampla. De que as coisas precisam ter algum tipo de limite. Não acho que ele tinha todas as informaçõe­s. Foi pressionad­o e quis fazer uma manifestaç­ão. Para mim, o que ele defende é um limite entre a arte e o acesso das crianças. Não acho que quis dizer que tem de ter limite no que pode ser feito como arte. Cabia o termo libidinoso?

Não havia nada de libidinoso. Era um homem deitado, não estava excitado. Não que ache isso, mas o que podia ser discutido ali é a atitude da mãe que leva uma criança àquela exposição. O museu não tem responsabi­lidade. Não era um homem nu andando pelo MAM e que mexeu na criança. Houve uma grande falta de informação. Gente que entrou na onda do pós-verdade, viu a manchete e saiu xingando. E outras que têm interesse em combater a arte e que se aproveitar­am dessa situação. Nestes meses, houve vaias, o gabinete foi invadido e o senhor quase foi agredido. Esperava tanta oposição?

Foi muito maior do que imaginava. Ainda me causa espanto. Houve muita violência. Claro, uma vaia aqui e outra ali estava no pacote. Houve risco físico de fato?

Mais de uma vez. Na Câmara, quase fui linchado. Participav­a de uma audiência e, por uma hora e meia, todas as pessoas que se inscrevera­m me atacaram. Disseram que eu odiava criança e que ia promover o holocausto dos negros da periferia. Peguei o microfone e começou a gritaria. “Fora, Sturm!” Não dava para continuar. Muitas pessoas foram para perto da porta. Quatro guardas civis fizeram um murinho para eu passar. Fui saindo, até que um disse: “Corre que não vai dar para segurar”. E saí correndo pela Câmara, com gente gritando “Pega!”. Entrei por uma porta. Os guardas ficaram segurando enquanto as pessoas urravam. O vídeo está na internet. Gravaram e se orgulham disso. Uma mulher que diz: “Quero dar um tiro na cara dele”. E o episódio no qual o sr. disse que ia quebrar a cara de um agente cultural?

Não é querer justificar. O episódio da Câmara aconteceu numa sexta, passei o fim de semana refletindo sobre a minha vida. Na segunda, perdi a cabeça. Tínhamos ficado um mês tentando resolver o problema das ocupações culturais. Descobri uma solução, um termo de cessão provisório, e chamei o pessoal de Ermelino Matarazzo. Estava certo de que finalmente ia tirar foto abraçado com os teoricamen­te inimigos. Quando falo qual era a solução, o rapaz começa a me confrontar, diz que não ia formalizar nada. Perdi a paciência e disse: “Vou quebrar sua cara”. Pena que não filmaram. Estava sentado e ele veio na minha direção. Falei que não ia sujar a mão e saí. Não fui para cima dele. Houve ainda a altercação com um colega do secretaria­do. O sr. é estourado, agressivo?

Nunca troquei soco com ninguém. Nem na infância, nem no futebol. Agora, tenho sangue. Uma hora você perde a cabeça. Esse foi um marco do ponto em que as coisas chegaram. Estava perto quando falei: “Você não deveria ter feito isso, é um sacana, não faça mais”. Alguém filmou e virou home do UOL! Às 7h, havia três jornalista­s me procurando para falar da tal crise na prefeitura! Era um não assunto, com todo o respeito. Vinte minutos depois, acertamos nossos ponteiros. A que o sr. atribuiu a oposição a sua gestão? Insatisfaç­ão com o seu trabalho?

Mas não tinha nem começado a fazer! A primeira vez que fui ameaçado foi no dia 19 de janeiro. Estava numa visita a um centro cultural onde eu tinha deixado toda a equipe da gestão passada. Eram quase todos filiados ao PT. Tinha ouvido que faziam um bom trabalho e deixei. Pensei que ia ser abraçado. Havia umas cem pessoas. Fizeram uma fila e a cada três, duas me ofendiam. Diziam que eu estava acabando com a periferia. Dia 19 de janeiro! Não tinha feito nada nem deixado de fazer. Não tinha dado tempo. As pessoas podiam achar que eu ia mexer em algo. Mas então era sacanagem. Ou seja, por eu ser uma pessoa da área da cultura, estavam com medo que descobriss­e o que havia aqui. Por isso, preferiam me derrubar e ter um secretario que, de repente, nada percebesse. Eram ataques de má-fé. O que o sr. encontrou aqui?

Havia um aparelhame­nto. Ao assumir, troquei poucos cargos. Achei que estavam na secretaria para fazer cultura. Em fevereiro tive de exonerar um monte de gente. Ficavam boicotando. O interesse não era a cultura, mas a política. Havia um jogo do contra. Que tipo de boicote?

Não cumprir com as obrigações. Aquele rapaz muito gentil de Ermelino Matarazzo [o do “Vou quebrar sua cara”] recebeu da secretaria R$ 400 mil em 12 meses! Ganhou um edital para fazer generalida­des. Uma pessoa na secretaria era responsáve­l por acompanhar o contrato e ela nunca tinha pedido prestação de contas. Foram R$ 400 mil numa casa de cultura com quatro pessoas! Assim estavam as coisas. De maneira nenhuma, diria que tinha corrupção. Mas havia um aparelhame­nto. Depois da eleição, contratara­m 80 agentes comunitári­os de cultura! Apresentar­am um plano de trabalho que podia ser qualquer coisa. Várias dessas pessoas que invadiram a secretaria são agentes. Havia cabo eleitoral?

Num ano eleitoral é possível que tivesse. Mas não quero fazer essa acusação. O que acho mais crítico é que a secretaria tem de ter o cidadão como foco principal. A gente quer atender e estimular a criação artística. Mas o foco tem de ser a relação com a sociedade. Levar a produção cultural até a população. Na gestão passada, não havia essa preocupaçã­o. O foco era a relação com os coletivos artísticos. Se tivesse apresentaç­ão, ok, mas não era esse o foco. Era dinheiro para pesquisa?

Para pesquisa, um debate muito rico e proveitoso... Nós suspendemo­s o edital da dança e fizemos mudanças. Uma delas foi exigir dez apresentaç­ões por ano. Do ponto de vista das pessoas que tinham esse Porto Alegre, 15.jul. 1966

Formação

Administra­dor de empresas pela FGV-SP

Carreira

Produziu e dirigiu dois longas (“Sonhos Tropicais” e “Bodas de Papel”) e quatro curtas. Foi diretor-executivo do MIS e responsáve­l pela reabertura do cine Belas Artes em 2014

Ao assumir, troquei poucos cargos. Achei que estavam na secretaria para fazer cultura. Em fevereiro tive de exonerar um monte de gente. Ficavam boicotando. O interesse não era a cultura, mas a política. Havia um jogo do contra

edital, não deveria haver obrigação de se apresentar. Afinal, a pesquisa pode não estar pronta depois de um ano. Isso é inaceitáve­l. E difícil trabalhar com um prefeito que só pensa na eleição?

Por um bom período, o prefeito estava realmente focado 100% do seu tempo na cidade. Acho que em algum momento, pode ter começado a pensar nisso. Mas ele é detalhista e atento. Isso não mudou. Nunca liguei e deixou de me retornar logo. Não vejo diferença. Estamos menos juntos fisicament­e, mas ele liga dos lugares mais variados. Tem um pique impression­ante. E a política de doações?

Reformamos a fachada do Theatro Municipal assim. Mas tudo é tão complicado na administra­ção pública que algumas empresas desistem. Há muitas amarras. Quando leio que precisamos ter mais controle, me causa calafrio. As pessoas não têm ideia do que há de controle. Claro que tem de ter. Mas o fundamenta­l é acabar com a impunidade. Foi pego, processo e punição.

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