Empresas do setor financeiro e de telefonia lideram reclamações
Na Santa Efigênia e em outras ruas movimentadas do centro de São Paulo, é possível comprar um CD com dados de mais de 28 milhões de brasileiros por até R$ 200.
A Folha obteve um exemplar nesta segunda-feira (23). São e-mails, endereços e telefones de pessoas físicas e jurídicas de todo o Brasil.
“Esse CD é ideal para telemarketing, com os celulares atualizados até 2016”, informou o vendedor. “A polícia implica?”, questionou a reportagem. “Ô. Se com os programas piratas a gente já roda, imagina com isso aí.”
Apesar da represália sofrida pelos camelôs, essa “superagenda” não é ilegal. O problema está em como os dados são obtidos.
“Se foram roubados de terceiros, é possível enquadrar na Lei Carolina Dieckmann [crime de invasão de dispositivo informático]”, afirma Jacqueline Abreu, advogada pesquisadora do InternetLab.
Se a empresa tiver vendido voluntariamente cadastros de seus clientes, a situação na lei brasileira é nebulosa. “Não há definição sobre pedido de danos morais nesse caso. Geralmente é preciso comprovar que houve dano concreto, como uma fraude”, diz ela.
Não é preciso garimpar no centro de São Paulo para encontrar esse tipo de lista telefônica. Há sites que vendem número de celular, de cartão de crédito, endereço e até dados médicos de usuários.
O delegado José Mariano de Araújo Filho, titular da delegacia responsável por crime em meios eletrônicos, afirma que a prática dificilmente é enquadrada como crime.
“Nossa legislação é extremamente falha, estamos desprotegidos”, afirma.
Segundo o delegado, o uso de parênteses e outros símbolos ao preencher cadastros (como em “rua das [Palmeiras]”) ajuda a identificar a empresa que forneceu o dado, caso ele seja divulgado. RASTROS DIGITAIS O uso da internet deixa rastros de dados pessoais por toda parte, muitos dos quais passam despercebidos.
“Estamos todos sendo permanentemente invadidos por campanhas e mensagens comerciais em situações e horários inadequados por empresas que detêm dados que julgávamos confidenciais”, des- creve Miguel Caeiro, CEO da Skorr, que desenvolve app para monitorar pessoas físicas.
O Marco Civil da Internet, de 2014, veta o fornecimento de dados pessoais sem consentimento. Muitas vezes, porém, as pessoas autorizam o repasse de suas informações sem saber, clicando em botões de “concordo” e “aceito” ao terminar um cadastro.
“O maior perigo é o wi-fi grátis. Na loja ou lanchonete, o cliente acaba aceitando condições para ter acesso ao serviço”, alerta Rui Paiva, CEO da WeDo Technologies, empresa de software que detecta fraudes digitais e fornece soluções para pessoas jurídicas e físicas. “As pessoas acham que é gratuito, mas pagam com seus dados.”
“Eu mesmo faço isso, digo que li os termos de uso para que o processo seja mais rápido. Falta educação digital no país”, afirma Renato Opice Blum, coordenador do curso
DE SÃO PAULO
No ranking do Reclame Aqui, telefônicas e TVs a cabo lideram as queixas de televendas agressivas. De janeiro a setembro, a Net teve 1.368 reclamações, seguida por Vivo (892) e Claro (568). Sky é a sexta (474) e Oi, a décima (349).
As lojas on-line das redes Casas Bahia, Ponto Frio e Extra são respectivamente a quarta, a sétima e a oitava na lista do Reclame Aqui. O quinto colocado é o Santander.
Além dos setores habituais, há casos inusitados como a Ômega, empresa funerária que entrou na lista do Procon e na do Reclame Aqui.
Bancos, companhias de telefonia e TV a cabo, de mídia, imobiliárias e varejo estão entre as 35 empresas notificadas pelo Procon-SP neste ano, até maio, por descumprirem a lei do bloqueio ao recebimento de ligações de telemarketing.
Doze foram autuadas, sendo que oito delas receberam o comunicado das multas, segundo o Procon: Bradesco, Cetelem, Brasfilter, Folha da Manhã (que edita a Folha), Nutop Produtos Funcionais, Ômega, Sky e Tim.
O valor médio da autuação é R$ 1,1 milhão. A fabricante de filtros Europa, Brasfilter, é de direito digital do Insper.
Jacqueline Abreu, do InternetLab, diz que a regra de consentimento é uma “ficção”. “Na internet não tem alternativa, precisa concordar para terminar um cadastro.”
Por isso, a União Europeia passou, neste ano, uma diretriz de proteção de dados determinando que os termos de uso só valem se a empresa conseguir provar que o cliente aderiu após de fato ler.
Todo tipo de dado é também disponibilizado nas redes sociais, sem que os usuários percebam que eles serão utilizados para propagandas direcionadas. “É uma lavagem cerebral. As pessoas acham que são livres para escolher, mas não são”, diz Wanderson Castilho, especialista em crimes digitais.
Os call centers também se aproveitam dessa avalanche de informações para ganhar mercado. (NATÁLIA PORTINARI, ELIANE TRINDADE E FERNANDA NEVES) quem tem mais autuações, cinco, por descumprir o bloqueio entre 2009 e 2017.
O Procon informa que as multas não necessariamente já foram pagas. As empresas têm direito de recorrer. OUTRO LADO Claro e NET dizem que seguem a legislação para bloqueio de ligações e irão reforçar os procedimentos para evitar ligações indesejadas.
A Oi diz que teve avanços nos indicadores de qualidade. Santander afirma que respeita a legislação. A TIM diz que analisa “eventuais situações fora dos padrões”.
A Vivo diz remover da base de dados quem não deseja ser contatado por sua equipe de vendas. Bradesco e Via Varejo não se manifestaram. As demais não responderam ou não foram localizadas.
A Empresa Folha da Manhã diz que foi notificada pelo Procon-SP neste ano por quatro reclamações, duas ocorridas em 2014 e duas em 2016. “Houve falha de tecnologia no processo, que é feito por empresas terceirizadas, mas já corrigida. A empresa trabalha em cima da base de dados do Procon para retirar todos os números bloqueados, no prazo determinado pela lei”, afirma.