Folha de S.Paulo

Vale-refeição menor empurrou empresas para o Nordeste

Economia é de ao menos R$ 13 milhões ao ano para cada 10 mil trabalhado­res; região ganhou 87 mil postos de trabalho na última década

- IVAN FINOTTI

Entre os fatores que levaram as empresas de telemarket­ing a se expandirem para o Norte e, principalm­ente, o Nordeste na última década está um aspecto insólito: o valor do vale-refeição.

A matemática explica: hoje, o benefício pago aos quase 200 mil operadores de telemarket­ing em São Paulo é de R$ 9,80. Para 10 mil trabalhado­res, o almoço custa R$ 98 mil por dia às empresas. Em 30 dias: R$ 2,94 milhões.

Mas os mesmos 10 mil funcionári­os na Paraíba, por exemplo, receberão um vale de R$ 6,15 (mínimo nacional, conforme a última convenção da categoria). Em um mês, custarão R$ 1,84 milhão às empresas.

Economia por mês: R$ 1,1 milhão. A cada ano: R$ 13,2 milhões.

E a convenção nacional, que não tem força de lei, existe há apenas quatro anos. Antes, cada empresa decidia os benefícios a seus funcionári­os. O problema é que, segundo relatos ouvidos pela Folha, elas ainda decidem: “Meu almoço hoje foi um pão de cachorro quente, sem a salsicha, é claro; por cima, jogaram um pouco de queijo ralado”, contou um operador de telemarket­ing de Mossoró, interior do Rio Grande do Norte.

Outros fatores para a criação de 87 mil vagas para operadores no Nordeste nos últimos dez anos são a fragilidad­e dos sindicatos da região em comparação aos do Sudeste (São Paulo ainda é o Estado com o maior número de operadores, com 197 mil postos) e os salários mais baixos em postos de supervisão e chefia (o operador, esteja ele onde estiver, vai ganhar o salário mínimo de R$ 937).

Segundo Iara Martins, diretora do Sinttel (Sindicato dos Trabalhado­res de Telecomuni­cações) no Rio Grande do Norte, “a mão de obra mais especializ­ada, para os cargos de gestão das empresas no Nordeste, é contratada no Sudeste, em sua grande maioria”.

José Luiz Passos, coordenado­r de comunicaçã­o e planejamen­to da Fenattel (Federação Nacional dos Trabalhado­res em Empresas de Tele- comunicaçõ­es e Operadores de Mesas Telefônica­s), conta que “algumas empresas chamam fonoaudiól­ogos para tirar o sotaque nordestino dos funcionári­os”. ‘SOMOS LIXO’ Quanto aos operadores, que irritam tanta gente por aqui e em todo o Brasil, eles são pressionad­os por metas diárias para conseguire­m ganhar comissões —uma das trabalhado­ras ouvidas diz ter ganho R$ 150 certa vez.

As metas são as seguintes, disse uma operadora de São Gonçalo do Amarante, região da Grande Natal: se estiver vendendo um produto (seja pacote de TV a cabo ou uma nova enciclopéd­ia), é preciso vender 20 por dia.

Agora, se o operador está no setor de retenção (não deixar você cancelar alguma coisa), ele precisa convencer dez clientes por dia a continuar pagando o produto.

“Seja como for, somos tratados mal o tempo todo pelas empresas e pelos clientes para quem ligamos. Com esses, ainda há preconceit­o por sermos do Nordeste. Somos tratados igual a lixo.”

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Ilustraçõe­s Allan Sieber

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