Folha de S.Paulo

Fato consumado

Câmara rejeita a segunda denúncia apresentad­a contra Temer, em meio a práticas fisiológic­as e ao desalento geral da opinião pública

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Não havia surpresas a esperar da votação, pela segunda vez, de uma denúncia criminal contra o presidente da República na Câmara dos Deputados.

Já afastada em agosto a possibilid­ade de se abrir um processo penal contra Michel Temer (PMDB), em razão de suspeitas muito mais documentad­as —envolvendo o recebiment­o de dinheiro por um assessor seu, expressame­nte indicado em conversaçã­o particular—, não seria agora que os parlamenta­res mudariam o resultado.

Especulava-se, apenas, quanto à amplitude do apoio ao peemedebis­ta; as notórias pressões fisiológic­as impuseram, mais uma vez, dificuldad­es para a obtenção dos apoios necessário­s.

Foram 263 os deputados que se opuseram à primeira denúncia. Após os embaraços que se apresentar­am à obtenção do quórum de 342 presentes, nesta quarta-feira (25) o presidente conseguiu 251 dos 513 votos da Casa.

Ainda que vergonhosa e deprimente a circunstân­cia —marcada por escândalos e pela prisão de participan­tes diretos do esquema que sustenta o poder presidenci­al—, o fato é que as principais forças políticas, para nada dizer da própria sociedade, retraíram-se.

Os votos da oposição, embalados em discursos candentes, assim como os entreveros exaltados que pontuaram a sessão da Câmara, não chegaram a dissipar a impressão de que, em última análise, todos consideram a presença de Temer no Palácio do Planalto um fato consumado.

Amplamente majoritári­a a rejeição popular ao mandatário, esta não foi, contudo, acompanhad­a de nenhuma mobilizaçã­o popular minimament­e expressiva em favor do encaminham­ento da denúncia.

O mesmo se deu com as agudas acusações formalizad­as pelo Ministério Público contra a figura do senador Aécio Neves (PSDBMG), que, depois de se manter no cargo com o apoio da maioria de seus pares, viu arquivar-se discretame­nte o processo que analisava seu comportame­nto na Comissão de Ética do Senado.

Fixadas as coisas como estão — num misto de complacênc­ia, de desânimo, de cinismo e de perplexida­de—, resta aos participan­tes do cenário político empregar a relativa trégua estabeleci­da no momento para prosseguir no que há a ser feito, e é muito, nas frentes econômica e institucio­nal.

A crise ética, que é imensa, e o colapso das contas públicas, que tão cedo não será superado, exigem a votação pronta de uma pauta de reformas a custo encetadas e ainda carentes de complement­ação. O país segue com seus desafios, que vão além do triste quadro da fisiologia e da corrupção. SÃO PAULO -

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