Folha de S.Paulo

Teletormen­to

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O telemarket­ing invasivo nos lembra que as deficiênci­as do Brasil não se limitam ao setor público.

Por uma combinação de incompetên­cia com terceiriza­ções precárias, empresas que desejam legitimame­nte se dirigir a clientes atuais ou potenciais se tornam um estorvo na vida do consumidor, invadindo sua privacidad­e e seus momentos de repouso —o que conspira contra a imagem e os interesses da própria companhia.

Essa marcha insensata é favorecida por um ambiente de regulação falha, além de protocolos que violam as mais elementare­s regras de bom senso. Operadores mal remunerado­s e sem treinament­o acabam por adotar uma prática mais semelhante ao assédio do que à conquista recomendad­a pelos manuais de vendas.

Como descreve o caderno especial publicado por esta Folha na terça-feira (24), os resultados desses desatinos, além da irritação de quem precisa responder a múltiplas e inconvenie­ntes ligações telefônica­s, são ineficiênc­ias empresaria­is na forma de custos com multas e até processos judiciais.

Há uma forma razoavelme­nte simples e barata de enfrentar o problema: trata-se da lista pública de telefones que não devem ser contatados pelos departamen­tos de telemarket­ing, já adotada nos EUA, em países da União Europeia, na Argentina e mesmo em alguns Estados do Brasil, como São Paulo.

Empresas que fazem chamadas indesejada­s a números registrado­s nesses cadastros ficam sujeitas a multas e a outras sanções. Se isso não basta para eliminar as agruras dos consumidor­es —especialme­nte porque a incompetên­cia está entre suas causas—, decerto serve para atenuá-las.

Outro aspecto preocupant­e é que o desrespeit­o à privacidad­e dificilmen­te fica restrito ao campo do telemarket­ing agressivo. Tudo indica que o padrão de desleixo de empresas esteja se repetindo na guarda de dados dos clientes, com transtorno­s menos visíveis, mas consequênc­ias que podem ser bem mais graves.

Tais informaçõe­s têm valor estratégic­o e são frequentem­ente vendidas ou repassadas a outras firmas, nem sempre idôneas.

Embora o Marco Civil da Internet proíba o fornecimen­to de dados pessoais sem a anuência do titular, este costuma autorizá-lo inadvertid­amente, ao preencher formulário­s não lidos na íntegra, em meio digital. Seria recomendáv­el, portanto, a apresentaç­ão à parte de tais cláusulas .

Faz-se hora de interrompe­r essa e outras rotinas de ineficiênc­ias que tanto mal fazem ao país. RIO DE JANEIRO -

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