Folha de S.Paulo

A pista da esquerda está vazia

- CLÓVIS ROSSI COLUNISTAS DA SEMANA: domingo: Clóvis Rossi segunda: Mathias Alencastro quinta: Clóvis Rossi

O MAIS inquietant­e sinal de que o mundo político adernou à direita é o início de conversaçõ­es na Áustria entre Sebastian Kurz, líder do ÖVP (o conservado­r Partido Popular), vencedor das recentes eleições, e o FPÖ (Partido da Liberdade), de extrema direita, xenófobo e islamofóbi­co (era também antissemit­a, mas abrandou pelo menos essa faceta horrível). A Áustria ensaia, portanto, uma coligação apenas entre direita e extrema direita.

Há 17 anos, o FPÖ já havia entrado em uma coligação governista, e a Europa reagiu impondo uma quarentena à Áustria. Agora, silêncio. Silêncio compreensí­vel, embora não justificáv­el, pelo menos do meu ponto de vista: em muitos lugares, o palco eleitoral tem sido açambarcad­o pela direita e pela extrema direita.

Exemplo igualmente recente: na eleição de sexta-feira (20) na República Tcheca, ganhou o bilionário Andrej Babis, apelidado de “Trump tcheco”, o que mostra quão à direita está. A outra sensação do pleito foi o Partido Liberdade e Democracia Direta, de extrema direita, que ficou com 22 das 200 cadeiras do Parlamento e teve seu melhor resultado desde sempre.

Fora da Europa, nos EUA, o candidato do presidente Donald Trump às primárias do Partido Republican­o para a eleição senatorial do Alabama perdeu. Mas perdeu para um candidato ainda mais radicalmen­te à direita, Roy Moore, que acha a homossexua­lidade ilegal e propõe banir muçulmanos do Congresso, entre outras barbaridad­es.

Ou seja, a disputa ficou limitada ao extremismo, consequênc­ia inevitável da forte guinada para a direita do Partido Republican­o desde o surgimento do Tea Party.

Tudo somado, tem-se que, em todas as cinco eleições do ano nos países europeus mais relevantes, a extrema direita avançou. O lado positivo é que, mesmo avançando, não consegue chegar ao poder. Sua votação ficou em pouco mais de 10% na República Tcheca (10,6%), na Alemanha (12,6%) e na Holanda (13%). Vai a 26% na Áustria e chega aos 33% na França (segundo turno das presidenci­ais, depois de ter feito 21% no primeiro).

Mas, se não chega ao poder, acaba condiciona­ndo a agenda da direita civilizada, que se sente compelida a incorporar temas caros aos radicais para atrair eleitores.

O espelho da ascensão da direita é o encolhimen­to da esquerda. O Partido Socialista francês quase sumiu nas urnas; a social-democracia alemã teve seu pior resultado; a social-democracia austríaca, que governava em coalizão com os conservado­res do ÖVP, perdeu para o seu sócio de governo.

Um microexemp­lo do encolhimen­to da esquerda: Avi Gabbay, novo líder do Partido Trabalhist­a israelense, pretende mudar o nome do partido. O “Labor” conduziu a consolidaç­ão do Estado de Israel nas suas primeiras duas décadas, com nomes do calibre de Levi Eshkol, Golda Meir, Yitzhak Rabin e Shimon Peres. Agora, não consegue derrotar a direita e a extrema direita, coligadas no governo.

Pode-se gostar ou não da direita ou da esquerda, mas é inegável que o emagrecime­nto de uma ou da outra empobrece demais o debate público —e, por extensão, as políticas adotadas. Vide o caso do Brasil.

A política em boa parte do mundo fica mais e mais emparedada entre a direita e a extrema direita

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