Folha de S.Paulo

Um zumbi faz história

- VINICIUS TORRES FREIRE

O PISO das taxas de juros no Brasil voltou ao nível mais baixo desde junho de 2013, sempre essa data, uma pedra no meio de vários caminhos do país. Voltaram a menos de 3%, faz umas duas semanas. Vão cair um tanto mais, para algo em torno de 2,5% em 2018, afora catástrofe­s.

Pouco antes de junho de 2013, a popularida­de de Dilma Rousseff estava no pico, assim como sua azáfama intervenci­onista na economia, economia que começaria a embicar para baixo desde então.

Naquele junho de “big bang” do tumulto político, o mercado assustado passaria a cobrar mais pelo uso de seus dinheiros. Os juros subiriam quase sem parar, chegando à casa dos 9% em setembro de 2015, quando ficou claro de vez que o governo estava quebrado.

Não é implausíve­l que Junho de 2013 tenha sido um detonador precoce da recessão que começaria no segundo trimestre de 2014.

A taxa real de juros cai de novo abaixo de 3% ao ano nestes dias em que Michel Temer tenta dar sobrevida a seu governo de popularida­de 3%. O país talvez volte a crescer, depois de três anos regressivo­s. Apesar de enxovalhad­o e desprezado pelo país quase inteiro, mantém maioria no Congresso e sua regência é tolerada pelos donos do dinheiro. Não querem mais bagunça. Enfim, no que lhes interessa, o governo Temer não parou de todo, apesar de alguns becos sem saída e de bombas que ficarão para explodir em 2019, por aí.

Sim, a reforma da Previdênci­a é improvável. Até a aprovação de remendos dos deficit do governo é incerta no Congresso. Mas, além do pacotão de reformas aprovado até o caso Temer-Joesley, em maio, o governo continuou a “entregar”, como diz o pessoal dos negócios. Teve reforma trabalhist­a e enxugament­o do BNDES, com o fim dos juros subsidiado­s. Vai passar o cadastro positivo do crédito, entre outras mudanças na área.

Estão no forno uma reforma liberaliza­nte do setor elétrico e a privatizaç­ão da Eletrobras. Haverá esforço de aprovar alguma simplifica­ção tributária, que não será uma reforma.

Sim, o programa de novas concessões de infraestru­tura é um fracasso. O governo sem dinheiro colabora para asfixiar o investimen­to em obras e novos negócios. Sem reformas adicionais, o teto de gastos caminha para a explosão em 2019, 2020: ou cai ou o arrocho de serviços públicos será coisa de jiboia.

Os estímulos mais fortes para a mínima recuperaçã­o econômica pouco têm a ver com o programa liberal. A queda inesperada da inflação, com alimentos baratos, aumentou o poder de compra dos salários bem além do previsto. A liberação do dinheiro do FGTS sustentou o consumo que fraquejava. Sem comida barata e FGTS, é difícil acreditar que a economia saísse do zero.

No entanto, Temer cumpriu muitas tarefas do seu governo TerçaFeira Gorda dos liberais (“é hoje só”). A depender do arranjo que fizer com Rodrigo Maia, pode ainda pagar outras promessas. Deixará juros baixos e estáveis, também cortesia da baixa do preço da comida, da recessão e da administra­ção conservado­ra do Banco Central.

Tudo isso em apenas ano e meio, feito por um governo de políticos zumbis à porta da cadeia, que nada entendem de economia, sob protetorad­o da coalizão liberal e dos donos do dinheiro e nenhum outro apoio. Por vias tortas, é histórico. vinicius.torres@grupofolha.com.br

Coalizão liberal ainda quer tirar suco do bagaço do governo Temer, que ainda pinga reformas

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