Diretor vampiriza Godard em cinema que é pura distração
“O Formidável” se faz de três movimentos distintos, não raro superpostos. O primeiro até justifica o nome (o original o chama de “temível”). Um jovem Jean-Luc Godard, no auge de seu poder midiático, termina “A Chinesa”, último filme de sua primeira fase (1967). Ama Anne Wiazemsky e é amado pela jovem atriz, neta de François Mauriac, Nobel de Literatura e instituição nacional francesa.
Esse movimento ocupa-se da vida do casal, retratada em imagem leve, elegante. Mas, espera: tal imagem vem de Godard —cita-o todo o tempo.
Aqui, Michel Hazanavicius parece homenagear o talento de Godard. Não é bem isso, veremos; serve-se das imagens dele como serviu-se do cinema mudo em “O Artista”, para seduzir o espectador.
O segundo movimento soma complexidade. Estamos próximos do Maio de 68. Godard não se afirmara maoísta ao filmar “A Chinesa”? Pois então veremos como se sai.
O cineasta adere ao levante. Transforma-se: parece um dos muitos intelectuais que, engolfados pela nova onda, buscam não perder o bonde do esquerdismo triunfante.
O diretor que controla mídia e jovem Anne dá lugar ao intelectual inseguro. O cineasta vacila. A onda o arrasta.
Agora, que fazer? Como colaborar com a revolução proletária? Aqui, o filme poderia se chamar “O Tormentoso”.
Mas seria um equívoco. O objetivo final de Hazanavicius é desqualificar o Maio de 68.
Talvez não seja difícil; de grande chegada do comunismo ao ocidente desenvolvido, hoje parece o canto de cisne do esquerdismo de 1917.
Mas está longe da insignificância: havia Vietnã, Palestina, ditaduras latino-americanas... Sobretudo, Maio deixou legados como a ampliação da liberdade, sexual inclusive.
Para o filme, porém, é vital narrar um evento secundário, pois isso diminui Godard e o terceiro ato tenta destruí-lo, não só como pessoa, mas como formulador. A crise o leva a um impasse do qual demoraria a sair, mas sairia. Legaria ao cinema a independência em relação ao comercial.
Essa parte Hazanavicius omite para deter-se no que se poderia chamar “O Patético”: quando vira um tirano ciumento, homem do passado.
É aí que o filme se apoia para buscar cumplicidade do público. Como a dizer que nada pode ser mais tolo que as contradições do cara genial.
E nada pode ser mais justificável que o cinema de Hazanavicius: pura distração. “O Formidável” é defesa do conformismo. Competente dentro do mínimo a que aspira e que só alcança vampirizando Godard descaradamente. DIREÇÃO Michel Hazanavicius ELENCO Louis Garrel, Stacy Martin PRODUÇÃO França QUANDO estreia nesta quinta AVALIAÇÃO regular