Folha de S.Paulo

‘Até os youtubers imitam Godard’, diz Hazanavici­us

Vencedor do Oscar por ‘O Artista’ lança longa sobre gênio da nouvelle vague

- GUILHERME GENESTRETI

Em ‘O Formidável’, ator Louis Garrel interpreta o cineasta, que chamou de ‘estúpida’ a ideia de virar um personagem

Desde que o ator Louis Garrel despontou (em 2003, com “Os Sonhadores”), o cinema francês o namora como uma espécie de filho temporão da nouvelle vague. Até que alguém teve a ideia de botá-lo justamente no papel de um dos artífices do movimento, o cineasta Jean-Luc Godard.

O tal alguém foi Michel Hazanavici­us, vencedor do Oscar por “O Artista” (2011), que o escalou para “O Formidável”. O filme, que perpassa a vida de Godard no ultraturbu­lento ano de 1968, estreia nesta quinta (26) no circuito.

A escolha de Garrel, 34, pode até ter feito sentido, mas Godard não quis nem saber de um filme sobre a sua vida. “Que ideia estúpida, estúpida!”, teria dito o franco-suíço.

No Rio para exibir seu filme no festival de cinema, Hazanavici­us relativiza a frase.

“Talvez ele estivesse certo, e do ponto de vista comercial o filme seja mesmo uma ideia estúpida”, diz o diretor à Folha. De fato, na tradiciona­lmente cinéfila França, o longa atraiu só 72,4 mil espectador­es na semana de estreia, em setembro (um quarto do que havia conquistad­o o campeão do período, “Feito na América”).

Hazanavici­us só espera que Godard “não se sinta magoado por isso ou aquilo. “De toda forma, não fiz para ele nem para os fãs dele”, diz.

O diretor enviou o roteiro, por carta, a pedido de Godard, mas não teve resposta.

“O Formidável” parte do livro de memórias escrito pela atriz Anne Wiazemsky (19472017), então namorada do diretor. No filme, ela é vivida por Stacy Martin (“Ninfomanía­ca”), na época a musa godardiana de “A Chinesa” (1967).

Enquanto Anne ensaia sair da sombra tirânica do diretor-namorado, Godard se vê confrontad­o pelos jovens que foram às ruas em 1968 e para quem o cineasta, outrora gênio revolucion­ário, soa cada vez mais antiquado, como os pais que essa geração repele.

Alguns momentos chave são mostrados, como quando ele e os colegas Truffaut, Lelouch, Malle e Polanski capitanear­am o cancelamen­to do Festival de Cannes em 68.

Em sua sanha por se manter relevante, Godard é retratado no filme como autodestru­tivo, “antagonist­a de si mesmo”, como define Hazanavici­us. “Ele pode ser um cuzão muitas vezes, mas a empatia vem de ser algoz e vítima de si ao mesmo tempo.” PASTICHE-HOMENAGEM O diretor também reveste seu Godard/Garrel de ares cômicos, que ficam mais com cara de saídos de filme de Woody Allen do que da nouvelle vague propriamen­te.

“Achei o livro de Anne Wiazemsky hilário”, conta. “Só a convenci a permitir a adaptação quando falei que o transforma­ria em comédia.”

Hazanavici­us também faz pastiche com as marcas estilístic­as do cineasta. Bota Godard e Martin nus para discutir o porquê da obsessão que se tem por filmar atores pelados fazendo coisas triviais.

“Uma das coisas que me encantaram no projeto era poder homenagear o estilo dele”, diz Hazanavici­us, para quem poucos diretores “podem ser definidos como revolucion­ários como Godard”.

“Existe um antes e um depois dele. Sua herança está em todos os diretores, mesmo em quem não sabe.”

O diretor cita uma das heranças godardiana­s: o “jump cut”, o picote dentro de um mesmo plano, que cria a impressão de que houve um breve salto no tempo no filme.

“Até os youtubers imitam Godard, usam os mesmos truques”, afirma Hazanavici­us. O “jump cut”, de fato, é um dos truques que eles usam.

Não se sabe se o octagenári­o e arredio Godard já viu “O Formidável”. Também não se sabe se ele vê youtubers.

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Divulgação O ator Louis Garrel caracteriz­ado como o cineasta Jean-Luc Godard em cena de ‘O Formidável’, de Michel Hazanavici­us
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