Folha de S.Paulo

Com olhar gringo, ‘Pelé’ parece se passar em país imaginário

- SÉRGIO RIZZO

FOLHA

Quem mandou deixar que gringos fizessem um filme de ficção sobre o início da trajetória do maior (desculpem, argentinos) jogador de futebol da história e um dos grandes atletas do século 20?

“Pelé - O Nascimento de uma Lenda” saiu um filme de gringos, para consumo de gringos, sobre um patrimônio que, no entanto, pertence um pouco a cada um dos brasileiro­s, sobretudo aos mais próximos do futebol.

As principais pegadas são de americanos: os produtores Brian Grazer (“Rush - No Limite da Emoção” e “Uma Mente Brilhante”, com o qual ganhou o Oscar) e Colin Wilson (“Munique”, “Avatar”) e os diretores e roteirista­s Jeffrey e Michael Zimbalist (“Favela Rising”, “Os Dois Escobars”).

E quanto o filme arrecadou nos Estados Unidos no lançamento, em maio? Pouco menos de US$ 50 mil, ou cerca de metade do que ganha Neymar em um dia pelo seu contrato com o PSG. Se já não funcionou lá, funcionará aqui?

Cópias dubladas talvez reduzam o efeito desnortead­or de ouvir supostos brasileiro­s —incluindo crianças pobres— falando inglês, às vezes com uma palavra em português solta na frase para dar o “tempero” local.

Mas nem mesmo os diálogos em português serão capazes de evitar a sensação, provocada pelos elementos da recriação histórica, de que a história se passa em um país imaginário, e não no Brasil.

Parceiro de Darren Aronofsky (“Mãe!”) desde o seu primeiro longa, o diretor de fotografia Matthew Libatique contribui, com seu trabalho de luz e câmera, para essa atmosfera falsa de sonho tropical.

A história, você sabe, é extraordin­ária. Da infância em Bauru ao triunfo na Copa do Mundo de 1958, acompanham­os os cerca de dez anos em que o menino Edson Arantes do Nascimento se transformo­u em Pelé.

Os atores (Leonardo Lima Carvalho, na infância, e Kevin de Paula, na juventude) dão conta do recado, e as crianças que fazem os amigos de Edson têm seus bons momentos nas aventuras de rua e de campos.

É no desenho dos personagen­s adultos em torno de Pelé que o filme mais pode incomodar quem conhece a história do futebol brasileiro, como nos casos do treinador Vicente Feola (Vincent D’Onofrio) e de Garrincha (Felipe Simas).

Não por culpa dos atores, mas da chamada liberdade poética com que foram reescritos os perfis de alguns personagen­s, os bastidores e também as cenas públicas da campanha vitoriosa de 1958 na Suécia.

Quem conta um conto aumenta um ponto, e nada contra esse procedimen­to universal de recriação de personagen­s e eventos históricos. O desafio é aumentar um ou mais pontos sem descaracte­rizar o conto.

E, dadas as enormes dificuldad­es de reencenaçã­o, é preciso registrar que as sequências de futebol estão próximas do padrão bem razoável de “O Milagre de Berna” (2003), que recria a trajetória vencedora da Alemanha na Copa de 1954, na Suíça. DIREÇÃO Jeff Zimbalist e Michael Zimbalist ELENCO Kevin de Paula, Leonardo Lima Carvalho, Seu Jorge e Milton Gonçalves PRODUÇÃO EUA, 2016, 10 anos QUANDO estreia nesta quinta (26) AVALIAÇÃO regular

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil