Folha de S.Paulo

Modernizaç­ão conservado­ra

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Não foi apenas Michel Temer quem sobreviveu, de novo, a graves acusações, desta vez a de constituir organizaçã­o criminosa e a de obstruir a Justiça. Foi a velha política brasileira que se mostrou vivíssima, agora operando por Twitter e WhatsApp.

As formas clientelis­tas atravessar­am a industrial­ização dos anos 1940-50, a ditadura militar e, como se viu, as quase três décadas de democracia sob a Constituiç­ão de 1988, para desembocar neste governo descolado da opinião pública.

A vitória de Temer por 251 a 233, arquivando a segunda denúncia do Ministério Público, confirma que metade da Câmara é infensa ao que pensa a maior parte dos jornais, as universida­des e até mesmo o noticiário da TV. Para a banda clientelis­ta, conta o benefício material que a caneta do Executivo é capaz de conceder por meio de emendas, cargos, obras e portarias, como a que facilita o trabalho escravo.

A queda de Dilma Rousseff ocorreu, em certa medida, porque a ex-presidente perdeu o controle sobre a parcela do Legislativ­o que Temer maneja tão bem. Em processo ainda não completame­nte esclarecid­o, o ex-deputado Eduardo Cunha, fenômeno à parte, passou a liderar o setor fisiológic­o da Câmara. A sucessora de Lula procurou obstar a irresistív­el ascensão do personagem, avaliando por baixo o peso gravitacio­nal do clientelis­mo. Caiu.

Do ponto de vista aritmético, é simples. A oposição da época controlava cerca de um quinto da Casa (hoje é mais ou menos a mesma coisa). O que acontece se a tal porcentage­m se somam os 50% do centrão fisiológic­o? Resposta: consegue-se o quorum necessário para tirar o ocupante do Planalto. Conclusão: a governabil­idade depende de um grupo que não aparece nas páginas da grande imprensa, mas decide em horas chave, como aconteceu quarta passada.

E por que os representa­ntes da velha política estão sempre lá, sai legislatur­a entra legislatur­a? Porque o mesmo eleitor que rejeita o governo Temer nas pesquisas de opinião em 2018 votará no deputado que sustentou o presidente. Seja por puro desconheci­mento de a quem está sufragando a pedido do prefeito local (ver a coluna de 23/9), seja para recompensa­r o parlamenta­r por algum benefício obtido.

Diz-se que o governo Temer gastou até R$ 32 bilhões, entre junho e outubro, para obter apoio na Câmara. Quantas urgências não foram aliviadas pelo dinheiro que irrigou as bases municipais? Enquanto grande parte do país tiver as necessidad­es básicas desatendid­as, haverá vasta clientela para todo tipo de ajuda emergencia­l.

O Brasil se moderniza, reproduzin­do o atraso. As razões pelas quais Temer, Eliseu Padilha e Moreira Franco continuam a nos governar e assombrar jazem no fundo de nossa formação.

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