Folha de S.Paulo

Barroso diz que ‘quase ultrapasso­u a linha’

Durante aula na Faculdade de Direito da UERJ, ele comentou a briga travada na véspera com Gilmar Mendes no STF

- LETÍCIA CASADO

Já Gilmar afirmou que o Supremo pode ser ‘esse tipo de Corte, que proíbe a vaquejada e permite o aborto’ DE BRASÍLIA

O ministro Luís Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal), disse nesta sexta-feira (27) que “quase ultrapasso­u a linha” na briga com Gilmar Mendes, durante a sessão de quinta (26).

“Vocês ainda vão ter filhos um dia. Alunos são como filhos espirituai­s. E quando tiverem filhos irão aprender que os filhos não prestam atenção no que a gente fala. Eles prestam atenção no que a gente faz. Por isso, tenho a preocupaçã­o de nunca ser um mau exemplo”, disse o ministro durante aula na Faculdade de Direito da UERJ (Universida­de do Estado do Rio de Janeiro).

De acordo com o gabinete do ministro, os alunos estavam “em estado de grande vibração com o embate da véspera”, Barroso ficou preocupado com o que “interpreto­u como certa celebração do conflito” e “fez questão de apaziguar os ânimos”.

“A exaltação não é a melhor forma de se expressar. Às vezes a gente levanta o tom da voz, mas essa não é a melhor forma de viver a vida. Pode acontecer de ser necessário, às vezes. Mas isso não é motivo de alegria. E em qualquer caso, a gente deve sempre estar em controle, sem nunca ultrapassa­r a linha. No caso de que estamos tratando, eu não ultrapasse­i. Mas foi quase”, afirmou.

Também pela manhã, mas em Brasília, durante uma palestra no IDP, instituiçã­o de ensino da qual é sócio, Gilmar —sem citar o nome de Barroso —disse que, “de vez em quando”, o STF é “esse tipo de Corte, que proíbe a vaquejada e permite o aborto”.

Barroso ajudou a formar maioria em ambos os casos, julgados no último ano: a Primeira Turma do STF (compos- ta por cinco ministros) firmou o entendimen­to de que praticar aborto nos três primeiros meses de gestação não é crime; o plenário do Supremo proibiu a vaquejada, depois foi validada pelo Congresso.

Na quinta, durante julgamento no plenário do STF, o clima esquentou quando Barroso disse que Gilmar “tem parceria com a leniência em relação à criminalid­ade do colarinho branco”. Gilmar rebateu e chamou o colega de “advogado de bandidos internacio­nais”.

Sobre a briga dos colegas, o ministro Marco Aurélio disse à Folha que o episódio é “lastimável” e completou: “Não teço consideraç­ões maiores porque guardo inimizade capital com um dos interlocut­ores”, em referência a Gilmar.

A discussão gerou um clima de constrangi­mento depois da sessão, disseram ministros à reportagem.

Em conversas reservadas, reclamaram de a presidente Cármen Lúcia não ter encerrado a sessão quando o clima piorou. Segundo ministros, a provocação feita por Barroso não foi uma surpresa devido ao clima de “belicosida­de” nos bastidores do tribunal.

A presidente disse a pessoas próximas que pretende conversar com os dois na próxima semana. Segundo relatos, ela reclamou da exposição que o episódio gerou para o tribunal. DIVISÃO INTERNA A discussão entre os ministros expõe uma divisão no tribunal. Os julgamento­s de questões que de alguma maneira estão relacionad­as à Lava Jato são marcados pelo antagonism­o de dois grupos.

Alinhados ideologica­mente, Barroso, Edson Fachin, Rosa Weber e, em várias ocasiões, Luiz Fux costumam proferir votos no mesmo sentido. Outro grupo, que conta com Gilmar, Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowsk­i e Dias Toffoli, tem posições semelhante­s em questões relativas à Lava Jato.

Apesar de muitas vezes defenderem a mesma tese, os ministros alinhados com os votos de Gilmar têm postura diferente daquela do colega, que costuma falar publicamen­te sobre vários assuntos e criticar decisões de seus pares. Ele já criticou decisões de Fachin, Rosa, Fux, Barroso, Marco Aurélio e Lewandowsk­i.

O decano Celso de Mello, Marco Aurélio e Cármen Lúcia são considerad­os, na corte, mais independen­tes.

Alguns julgamento­s importante­s que ainda estão para ocorrer devem expor novamente essa divisão.

Um deles é a revisão da prisão após condenação em segunda instância. Gilmar, que votou a favor em 2015, já mudou sua posição e passou a conceder habeas corpus a condenados nessa situação.

Nesta sexta, a presidente definiu a pauta do tribunal para novembro e não incluiu ações polêmicas, como prisão em segunda instância ou a possibilid­ade de a polícia fechar acordo de delação premiada. De acordo com um ministro, a “pauta sem grandes temas controvers­os” foi um pedido feito pelos magistrado­s e reforçado após a confusão da quinta-feira.

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