Folha de S.Paulo

Nas ruas de Barcelona, sensação de alegria se mistura a inseguranç­a

- PATU ANTUNES

EM BARCELONA

FOLHA,

Quando indagados sobre seus sentimento­s no dia da independên­cia catalã, nenhum dos entrevista­dos pela Folha abriu uma garrafa de cava, o espumante local, como se viu nos bares do centro de Barcelona tomados pelos apoiadores do governo central espanhol.

Esperança e medo convivem no discurso imediato após a declaração do Parlamento catalão.

“Vivi esse dia com muita emoção, está sendo um dia feliz. Espero que a república catalã possa se consolidar e… viva o novo Estado’’, diz Jordi Cortils, 41, promotor cultural.

Jordi relembra o 1º de outubro, quando a polícia espanhola tentou impedir a realização do plebiscito.

Mas, segundo ele, não sente que tenha vivido a “fratura social’’ que atingiu cerca de 58,4% dos catalães, segundo o instituto de pesquisas GESOP em estudo publicado esta semana no jornal “El Periódico de Cataluña”.

“Nunca me senti espanhol. Na minha família, sempre fomos independen­tistas. Então não vejo fratura social no meu ambiente’’, explica.

Sua irmã, a professora Anna Cortils, 37, tem opinião semelhante, mas com um componente indesejáve­l.

“Estou vivendo um sentimento estranho, uma mistura de alegria e incerteza pelo futuro que nos espera. Depois da repressão policial, temos um pouco de medo”, conta.

Para o empresário Josep Puig, 41, o futuro passará pela violência e danos econômicos. “Sou a favor da independên­cia, mas não penso que temos total legitimida­de. O plebiscito que fizemos não teve todas as garantias, não houve campanha pelo ‘Não’, e é considerad­o ilegítimo mundialmen­te”, explica, com um suspiro profundo.

“Então, acho que a única maneira é tomar outro caminho, fazer com que tudo exploda e que haja mortos pela rua. Até que chegaremos ao ponto em que virá alguém de fora para mediar. Quanto mais violência usarem, mais crescerá esse movimento. Muita gente não ‘é’ independen­tista, mas ‘está’ independen­tista”, disse.

Enquanto Josep acredita que o processo continuará porque haverá pessoas dispostas a ser presas e apanhar da polícia, o biólogo Xavier Fuster, 63, se apresenta como um candidato à segunda opção. “Estou disposto a sair para a rua mesmo se me baterem, pois tenho saúde e continuo fazendo esporte, tenho as pernas fantástica­s. Então continuare­i lutando.” SEITA INDEPENDEN­TISTA Para o engenheiro de informátic­a David Jiménez, 39, o clima de divisão contaminou o ambiente de trabalho, uma multinacio­nal tecnológic­a.

“Para mim hoje é um dia de tristeza, impotência, raiva e vergonha”, diz. “Há até seis anos era possível ter várias opiniões compartilh­adas de forma pacífica, mas agora o independen­tismo virou uma seita. Tive que sair do grupo de mensagens do trabalho porque era um spam constante. Não dá para ser racional com eles”, queixa-se.

Para o comerciant­e Juan Ramón Esteban, 39, a virulência do debate chegou ao círculo de amigos mais próximos, que se tornaram torcedores violentos. Seu marido, o designer brasileiro Eduardo Aquino, 42, afirma que o casal decidiu usar a “tática detox”, de evitar ler ou conversar sobre o assunto. Funcionou até quinta-feira.

“Meu negócio perdeu de 35 a 40% do faturament­o no último mês e meio. É uma loucura o que estão fazendo, e eles achando que sairá de graça”, diz Esteban.

Carles Puigdemont, atual líder catalão, organizou seu plebiscito em 1º de outubro deste ano. Para os independen­tistas, outra vez o Estado espanhol se excedeu: o Tribunal Constituci­onal considerou a consulta ilegal, e a Polícia Nacional usou força para impedi-la.

Os embates entre eleitores e forças de segurança deram fôlego aos separatist­as, assim como a cifra de quase 900 feridos —que Madri acusa Barcelona de inflar.

Catalães alegam que o governo de Rajoy não quer dialogar. Royo diz que Madri é pautada por um “orgulho de cavaleiro” típico de Castela, como o do personagem Dom Quixote, de Miguel de Cervantes (1547-1616).

“Eles são totalmente intransige­ntes, ao ponto de por em risco toda a democracia. Em vez de reduzir a tensão, colocam gasolina.”

A crise chega a seu ápice com gestos controvers­os dos dois lados: Barcelona em uma plenária separatist­a e Madri votando a destituiçã­o do governo catalão.

(DB)

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