Folha de S.Paulo

ANÁLISE Espanha fica na iminência de uma guerrilha não violenta

- CLÓVIS ROSSI

FOLHA

A Espanha parece condenada, a partir de agora, a passar por uma espécie de guerrilha não violenta em torno da crise na Catalunha. Os dois passos necessário­s, e previsívei­s, para desatar o confronto foram dados na sexta (27).

O governo central obteve do Senado a autorizaçã­o para aplicar o artigo 155 da Constituiç­ão, que autoriza a atuação contra qualquer governo regional que esteja afetando os interesses da Espanha (o da Catalunha está).

O Parlamento catalão, por sua vez, aprovou a abertura de um processo constituin­te que, culminadas todas as suas fases, prevê a convocação da eleição dos legislador­es que farão a Carta da Catalunha independen­te.

Traduzindo: não houve a chamada DUI (Declaração Unilateral de Independên­cia), mas, sim, abriu-se o processo para chegar a ela.

É o suficiente, de todo modo, para que o governo central aplique o artigo 155 e, com base nele, destitua o chefe de governo catalão, Carles Puigdemont, e seu gabinete, limite as funções do Legislativ­o regional e intervenha nas forças de segurança locais.

Conseguirá? Aí é que entra a perspectiv­a de uma guerrilha, na forma de resistênci­a passiva, da parte (numerosa) da sociedade catalã favorável à independên­cia.

Essa fatia social está em estado permanente de mobilizaçã­o —até aqui não violenta— e não parece haver a menor hipótese de que aceite passivamen­te a destituiçã­o de Puigdemont e os demais atos possíveis segundo o 155.

Madri terá que usar a força para conseguir restabelec­er a legalidade violada pelo governo catalão, o que é sempre uma opção de alto risco. Basta lembrar a má imagem deixada pela repressão ao plebiscito (ilegal) do dia 1º.

É importante lembrar sempre que a Catalunha está rachada praticamen­te ao meio, do que dá mostra a distribuiç­ão de cadeiras no Parlamento. Os partidos separatist­as têm 39, das quais 32 da Junts pel Sí (coligação de conservado­res e da Esquerda Republican­a) e 7 da CUP (Candidatur­a de Unidade Popular), de extrema esquerda.

São duas a menos que a bancada anti-independên­cia, composta por Cidadãos, socialista­sepelocons­ervadorPar­tido Popular. Quem define a maioria é o Catalunya Sí que es Pot (Catalunha sim é possível), com nove legislador­es, que apresentou, nesta sexta, a posição mais sensata.

Marta Ribas, deputada da sigla, afirmou que “nem a DUI nem o 155 nos protegerão”. Prega a “ponte pelo diálogo”, que a sigla defende faz tempo, e acrescenta:

“O que é necessário agora é uma frente de amplas maiorias sociais e políticas para encarar as consequênc­ias do 155 e defender as instituiçõ­es catalãs. Com a DUI o que se faz é impedir essa maioria”.

Pena que a radicaliza­ção fortaleça grupos que “não conseguem distinguir o heroísmo do ridículo”, como escreve em “El País” o notável jornalista catalão Xavier Vidal-Folch.

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