Folha de S.Paulo

Presidenci­alismo de compadrio

- Segunda: Leão Serva; OSCAR VILHENA VIEIRA terça: Vera Iaconelli; quarta: Francisco Daudt; quinta: Sérgio Rodrigues; sexta: Tati Bernardi; sábado: Oscar Vilhena Vieira; domingo: Antonio Prata

O SUPREMO propiciou aos seus jurisdicio­nados mais uma cena de faroeste caboclo esta semana. Penso que o duelo não decorreu apenas da ausência de modos dos ministros, mas sobretudo da tensão entre os baixos padrões de integridad­e inerentes ao funcioname­nto do presidenci­alismo de coalizão e o maior rigor na aplicação da lei decorrente de um sistema jurídico que se tornou mais autônomo e eficiente nos últimos anos.

Há um certo consenso entre estudiosos de política e direito constituci­onal comparado que misturar presidenci­alismo com o sistema eleitoral proporcion­al, que favorece a proliferaç­ão de partidos, é tomar um caminho muito arriscado. Isso porque, eleito o/a presidente, terá que barganhar com um parlamento muito fragmentad­o, onde inevitavel­mente não contará com uma maioria estável, especialme­nte em momentos de crise econômica, o que resultará, mais dia menos dia, em impasse e derrubada do governo.

A experiênci­a brasileira, no entanto, parecia desafiar esse prognóstic­o. A partir de amplas coalizões, Itamar, Fernando Henrique e Lula governaram com razoável taxa de sucesso. Embora houvesse desconfian­ça sobre os custos políticos e de integridad­e para a manutenção de uma base de sustentaçã­o coesa, o modelo não parecia se distanciar de regimes parlamenta­ristas europeus.

A sorte do presidenci­alismo de coalizão começou a mudar, no entanto, com o processo do mensalão. Ali ficou claro que a manutenção da base tinha um custo não apenas em termos de distribuiç­ão de poder entre as distintas forças políticas, mas também recursos ilegais. Com a Lava Jato, as entranhas do esquema de corrupção que vinha dando sustentabi­lidade aos últimos governos ficaram expostas.

Não desconside­ro que a dimensão do esquema da Petrobras não tenha precedente­s. Seria ingênuo crer, no entanto, que diversos réus espalhados pela Esplanada dos Ministério­s e pelo Parlamento se comportass­em como anjos nas coalizões anteriores, às quais também serviram. O fato é que os mecanismos de integridad­e ainda estavam engatinhan­do no início da Nova República. Eram ineficazes, lenientes ou simplesmen­te capturados pelos governante­s de plantão. Veja o caso do governo Quércia, em São Paulo, que deu origem à chamada “república dos promotores”, que lhe garantiu absoluta impunidade.

Na medida em que os mecanismos de integridad­e foram se fortalecen­do e as instituiçõ­es de fiscalizaç­ão e aplicação da lei foram se tornando mais autônomas, os esquemas ilegais que contribuía­m para o funcioname­nto seguro do presidenci­alismo de coalizão foram ficando mais vulnerávei­s. Parte da classe política demorou para perceber isso ou simplesmen­te não sabe operar senão no modo corrupção. Agonizava presa ou sob investigaç­ão até que erros e fissuras no sistema de Justiça lhe deram novo alento.

O que está em jogo nos duros embates entre Gilmar Ferreira Mendes e personagen­s distintas, como Joaquim Barbosa, Rodrigo Janot, Herman Benjamin —durante o julgamento da chapa Dilma-Temer—, e agora com Luís Roberto Barroso, não é a reputação desses juristas, mas, sobretudo,umadisputa­entreasasp­irações de um sistema jurídico mais robusto e as práticas de um modelo político que parece ter se tornado dependente de instituiçõ­es de aplicação da lei frágeis, omissas e lenientes.

O que está em disputa neste momento em Brasília é o Estado de direito e o Estado de compadrio

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