Folha de S.Paulo

Segundo Meli Malatesta, especialis­ta em mobilidade a pé, a medida é injusta. “Mesmo com a previsão dessas multas

- FABRÍCIO LOBEL

DE SÃO PAULO

Vinte anos após a sanção do Código Brasileiro de Trânsito, uma resolução federal dá prazo de 180 dias para que órgãos do país passem a multar pedestres e ciclistas que cometem infrações de trânsito.

As punições já eram previstas desde 1997, mas, sem regulament­ação, não eram aplicadas. O Denatran (Departamen­to Nacional de Trânsito), ligado à gestão Michel Temer (PMDB), decidiu agora impor as regras e fixar esse prazo — apesar do descrédito de especialis­tas sobre a possibilid­ade de elas saírem do papel.

Na prática, poderão ser multados pedestres que atravessem a rua fora da faixa ou ciclistas que andem em calçadas ou conduzam de maneira agressiva, por exemplo.

As multas para pedestres serão de R$ 44,19 e para ciclistas, de R$ 130,16, além da retenção da bicicleta.

Pela regulament­ação federal, prefeitura­s terão que decidir a forma de fiscalizaç­ão até o final de abril de 2018.

“Ainda que o pedestre seja a parte mais frágil, ele também pode causar um acidente quando não cumpre as regras do trânsito e coloca todos os outros em situação de risco”, justificou Elmer Vicenzi, diretor do Denatran. BARREIRAS Especialis­tas avaliam que a medida deve esbarrar na dificuldad­e de fiscalizar, o que tende a torná-la letra morta.

“Teoricamen­te, todo participan­te do sistema viário que cometa uma infração está sujeito a ser autuado. Mas, na prática, autuar pedestres e ciclistas é uma medida de difícil implementa­ção, tanto que não havia sido colocada na prática até agora”, afirma Maurício Januzzi, presidente da comissão de direito viário da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de São Paulo.

Pela nova regra, segundo o Ministério das Cidades (ao qual o Denatran é ligado), o pedestre ou ciclista infrator deverá mostrar algum documento oficial que o identifiqu­e (como RG, CNH ou CPF).

Se não estiver com documento nenhum, o pedestre ou ciclista pode ser enquadrado em outra infração de trânsito, considerad­a gravíssima.

Januzzi observa que, ainda assim, como o agente de trânsito municipal não tem poder de polícia, ele não pode exigir que um infrator se identifiqu­e. Nesse caso, só um policial poderia conduzir quem cometeu a infração à delegacia para ser identifica­do.

Na teoria, também poderão ser multados todos aqueles que utilizem a via pública sem autorizaçã­o prévia para festas, práticas esportivas ou “qualquer outra atividade que prejudique o trânsito”. ‘INJUSTIÇA’ no código, não há infraestru­tura nas ruas brasileira­s para que essas categorias trafeguem dentro da lei. Quem anda a pé muitas vezes não tem a escolha de atravessar na faixa, pois a faixa não existe ou não está no seu trajeto.”

“O pedestre está hoje entre as maiores vítimas do trânsito e não é assim que iremos diminuir este cenário. Hoje o pedestre não tem nem os seus direitos garantidos”, afirma Meli, que critica ainda a decisão sem debate público.

Em 2015, houve mais de 9.000 mortes de pedestres no Brasil, 23% do total.

Para Reginaldo Paiva, exdiretor do Instituto de Engenharia de SP e ex-presidente da comissão de assuntos cicloviári­os da Associação Nacional de Transporte­s Públi- cos, a mudança é descabida.

“Como autuar um pedestre que não andar na calçada, sendo que 90% delas estão fora das normas? Será possível autuar um ciclista mirim, menor de idade?”, questiona.

A gestão João Doria (PSDB) disse que analisará dentro do prazo estipulado a forma como aplicará as multas. A Secretaria de Mobilidade e Transporte­s, por meio de nota, ressaltou que a mudança não exime os condutores de veículos de resguardar os princípios básicos da legislação —que prevê prioridade à segurança do pedestre e de veículos não motorizado­s.

O sindicato de agentes de trânsito do Estado de São Paulo diz que não há efetivo condizente com a ampliação da fiscalizaç­ão agora exigida.

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