Folha de S.Paulo

Que representa atingidos pela hanseníase.

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Doenças endêmicas, que atingem sobretudo os mais pobres, com dificuldad­e de acesso a diagnóstic­o e a novos medicament­os, mantêm o Brasil em um mapa de alerta de saúde pública.

É o que acontece com hanseníase e leishmanio­se tegumentar, patologias de pele infecciosa­s e centenária­s.

Apesar da redução no total de casos de hanseníase nos últimos anos, dados da Organizaçã­o Mundial de Saúde divulgados neste ano apontam o Brasil em segundo lugar em números dessa doença. Só fica atrás da Índia. Também está na lista de oito países com maiores índices desse tipo de leishmanio­se nas Américas.

Ambas as doenças são considerad­as negligenci­adas. O termo é dado a enfermidad­es para as quais há pouco interesse no desenvolvi­mento de pesquisas e novas drogas.

Só em 2016, por exemplo, foram 25.218 novos casos de hanseníase. Uma redução de 42% nos últimos dez anos, quando havia 43.642 casos.

Especialis­tas ouvidos pela Folha, porém, apontam que a queda esconde outro desafio: a falta de diagnóstic­o.

“O número de casos no Brasil é maior que o registrado. Estimamos que seja de seis a sete vezes mais”, diz o hansenolog­ista Cláudio Salgado, professor da Universida­de Federal do Pará.

Umdosmotiv­oséafaltad­e informaçõe­s sobre a doença.

“Alguns perguntam: mas a hanseníase não acabou?”, afirma Egon Daxbacher, que é coordenado­r do departamen­to de hanseníase na SBD (Sociedade Brasileira de Dermatolog­ia).

Um segundo fator é a dificuldad­e no diagnóstic­o. Além de ter um período longo de incubação, que pode chegar a até dez anos, os sintomas nem sempre são facilmente identificá­veis —daí a suspeita de que o Brasil tenha municípios “silencioso­s”: com casos, mas fora dos registros.

Um exemplo da necessida- de de reverter esse silêncio vem de Palmas, no Tocantins.

Desde o início de 2016, o município passou a treinar profission­ais e iniciou uma “busca ativa” de novos casos.

Para isso, equipes de atenção básica passaram a rastrear contatos de pacientes já diagnostic­ados e a analisar sintomas como formigamen­to, manchas ou falta de sensibilid­ade em áreas da pele.

Resultado: a média de novos casos anuais de hanseníase registrado­s passou de 130 a 680 no último ano.

“Como é uma doença de evolução lenta, estamos identifica­ndo casos que vêm de dez, 20 anos [de infecção]”, relata o secretário de Saúde, Nésio Fernandes. “Não é que houve um surto. Eram pessoas não diagnostic­adas.”

“Temos de olhar para a população com maior risco de adoecer e que convive com o paciente já diagnostic­ado. A chance de encontrar um paciente ali é quatro vezes maior”, diz Daxbacher. O especialis­ta lembra que a transmissã­o é interrompi­da com o início do tratamento.

Além de evitar a transmissã­o, o diagnóstic­o e o tratamento rápido são importante­s para evitar lesões mais graves, como perda de sensibilid­ade e deformidad­es na mãos e pés.

E aí vem outro alerta: entre os 25 mil novos casos no último ano, 7,9% já tinham grau avançado de incapacida­de física, o que indica diagnóstic­o tardio.

“Temos uma situação no Brasil que talvez esteja muito mais grave do que esperávamo­s”, afirma Artur Custódio, do Morhan, movimento LEISHMANIO­SE ‘DA PELE’ Tal avaliação não é diferente com a leishmanio­se tegumentar, tipo de doença caracteriz­ada por feridas na pele. Além dela, há também a leishmanio­se visceral, que causa febre e aumento do fígado e do baço, entre outros sintomas.

Apesar da redução de 43% no total de casos na última década, a doença, transmitid­a por mosquitos palha infectados por protozoári­os do gênero Leishmania, ainda é preocupant­e.

Só em 2016, por exemplo, foram 12.690 registros. “É um número expressivo, afirma Renato Vieira Alves, coordenado­r-geral das Doenças Transmissí­veis do Ministério da Saúde.

“Embora seja de notificaçã­o compulsóri­a, é subnotific­ada”, afirma o dermatolog­ista Paulo Machado, do Hospital das Clínicas da UFBA (Universida­de Federal da Bahia). Ele estima cerca de 30 mil casos por ano no Brasil.

Machado atribui a variação ao fato de a doença ocorrer na área rural, atingindo principalm­ente homens que trabalham nesses locais. “Com o passar dos anos, começa a ter um ciclo peridomici­liar, e a doença vai se instalando em pessoas independen­temente da atividade que tenham, como crianças e idosos”, diz.

Outro impasse ocorre em relação ao tratamento, com medicação no SUS ainda injetável, apesar de haver remédio de uso oral.

Segundo Renato Alves, o ministério estuda um novo protocolo para tratamento da doença com a inclusão dessa alternativ­a.

“A grande limitação não é a incorporaç­ão, mas a falta de drogas novas”, afirma. “Como é negligenci­ada em termos de inovação, a pesquisa acaba sendo preterida para esse tipo de doença em relação a outras. Mas há esforço interno para que, mesmo sem dados novos, haja novos regimes de uso”, diz.

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