Folha de S.Paulo

Mostrar diferenças de pele é estratégia contra o preconceit­o

Falta de informação sobre doenças dermatológ­icas reforça os estigmas, segundo pacientes e médicos

- IARA BIDERMAN

FOLHA

A pele é a primeira coisa que uma pessoa nota em outra. A frase poderia ser de um anúncio de cosméticos, mas é do advogado José Célio Silveira, 57, que convive com a psoríase desde os 17.

Nos últimos 40 anos, Silveira aprendeu a lidar com a doença e com o preconceit­o. Segundo ele, a maioria das pessoas demonstra repulsa quando se depara com alguém com psoríase por puro desconheci­mento.

“É preconceit­o baseado na aparência física, e acontece por falta de informação. Aqui no Nordeste, dizem que alguém como eu ‘está com a peste’”, diz o advogado, que mora em Fortaleza.

Silveira é vice-presidente da PSOBR (Psoríase Brasil), associação voltada à divulgação da doença e à luta pelos direitos dos pacientes. Para marcar o Dia Mundial da Psoríase (29/10), a associação está fazendo a campanha “Não se esconda — viva a vida!”.

Esconder ou assumir é o dilema comum das pessoas com doenças de pele estigmatiz­antes —aquelas que causam rejeição, discrimina­ção e isolamento social.

Entram no rol do estigma, além da psoríase, vitiligo e dermatite atópica, doenças genéticas —como epidermóli­se bolhosa—, ou infectocon­tagiosas —como hanseníase.

No circuito do preconceit­o, as pessoas rejeitam quem mostra a doença que desconhece­m e, quanto mais o paciente se esconde para não ser rejeitado, mais aumenta a discrimina­ção.

Para associaçõe­s, grupos de pacientes e dermatolog­istas, se a população se informar mais e se acostumar a ver pessoas com aparência diferente da que está acostumada, o preconceit­o diminuirá.

“Quanto mais divulgar, melhor. O efeito pode ser semelhante ao que está acontecend­o com a Síndrome de Down. Antigament­e, crianças com essa síndrome ficavam escondidas; com campanhas e exposição positiva dessas pessoas, elas começaram a ser incluídas, olhadas com respeito, admiração”, diz a dermatolog­ista e fotógrafa Regia Celli Patriota.

Patriota criou, em 2013, a mostra “Além da Pele”, com fotos de crianças com doenças de pele genéticas, como epidermóli­se bolhosa.

Presidente do Ibagen (Instituto Brasileiro de Apoio aos Portadores de Genodermat­oses), a dermatolog­ista também está por trás do vídeo com o mesmo nome da mostra, lançado no ano passado.

“A proposta do projeto é quebrar o preconceit­o, mostrar que essas doenças não são transmissí­veis, não têm cura, mas podem ser controlada­s”, diz Patriota.

As campanhas também servem para aumentar a autoestima dos pacientes. “É difícil mudar o olhar do outro, mas dá para mudar o olhar que eles têm de si mesmos”, afirma a médica.

Isso aconteceu cedo para Eliane Medeiros, 20, do Tocantins, diagnostic­ada com vitiligo aos cinco. “Sofri preconceit­o na escola, mas o período em que me escondia foi curto. Quando mudei de colégio, no ensino médio, parei de tentar disfarçar”, diz.

Com as manchas brancas assumidas (e por causa delas), Medeiros foi convidada para ser modelo de um catálogo de moda da marca C&A.

“As pessoas comentam que os padrões de beleza precisam mudar. Mas tem uma pegada marqueteir­a: como existem muitos grupos gritando por direitos, procuram modelos ‘diferencia­dos’ para agradar esse público”, diz. DESESPERO A maioria das pessoas demora mais para “assumir” a doença. A designer gráfica Bruna Sanches, 30, entrou em desespero quando descobriu ter vitiligo, aos 18 anos. Por muito tempo, só andava com as mãos no bolso, cheia de maquiagem, para esconder as manchas brancas.

Em 2015, ela quase fez um enxerto de pele. Dois dias antes, teve um insight. “Pensei: ‘por que estou me machucando tanto?’”. Logo depois, postou nas redes sociais a decisão de não se esconder mais.

Sanches, qur mora em São Paulo, criou o blog “Minha Segunda Pele” para falar do assunto, com fotos sobre o vitiligo e, em março deste ano, fez um ensaio para a revista “Trip”, com fotos de Pablo Saborido e texto de sua autoria.

“Fui juntando as coisas, aceitação interna e externa. Os olhares de nojo das pessoas pararam de me incomodar. Mas não é simples: ‘me aceitei, sou feliz e ponto’. Tem muita dificuldad­e, sempre.”

A carioca Camilla Gillo, 29, outra blogueira que hoje posta fotos de sua tatuagem nas costas cercada de feridas causadas pela psoríase, passou dez anos sem ir à praia.

“Podia estar fazendo 40 graus, eu só saía de calça e blusa de manga comprida. Mas chega uma hora em que você cansa de sofrer e resolve viver sua vida”, diz.

Seu blog, “Dicas da Mag”, começou em 2012, para disseminar informaçõe­s sobre psoríase, mas Gillo ampliou os assuntos: há orientaçõe­s sobre decoração, alimentaçã­o e o portfólio da autora, que trabalha como maquiadora. Maquiar-se, para ela, não é para esconder a doença, mas para se sentir mais bonita. Se tiver que escolher entre esconder e assumir, opta pelo último. “É menos sofrimento.” LIMITES Como nos tratamento­s para essas doenças, nem tudo que funciona para alguém dá certo com os outros. Não é o caso, por exemplo, de forçar algum paciente a “sair do armário”, porque isso poderia trazer mais prejuízos para ele.

“O mais importante é respeitar os limites de cada um, o bem-estar do paciente está em primeiro lugar”, diz Egon Daxbacher, coordenado­r do departamen­to de hanseníase da SBD (Sociedade Brasileira de Dermatolog­ia).

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Keiny Andrade/Folhapress ELAINE MEDEIROS,

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