Folha de S.Paulo

Estudos investigam impacto das emoções sobre saúde cutânea

- KARINA PASTORE

COLABORAÇíO PARA A FOLHA

Em 19 de setembro, a blogueira Sophia Alckmin, 36, anunciou a seus quase 450 mil seguidores na rede social Instagram ser portadora de vitiligo. Com uma incidência em torno de 1% da população mundial, a doença se caracteriz­a pela perda de coloração da pele e manifesta-se sob a forma de lesões esbranquiç­adas, de diversos tamanhos —“minhas manchinhas”, como define Sophia.

Desde a Antiguidad­e, o vitiligo desafia a medicina. Várias teorias tentam explicar a origem do distúrbio, mas nenhuma delas está claramente estabeleci­da. Não há dúvida, porém, de que o estresse emocional tem um papel importante não só no desencadea­mento como também no recrudesci­mento da afecção.

Na legenda das duas fotos da mão direita, nas quais as nódoas brancas ficam evidentes, Sophia conta que o vitiligo “apareceu” cerca de dois anos depois da tragédia com seu irmão caçula, Thomaz, que morreu num acidente de helicópter­o em 2015.

Maior e mais pesado órgão do corpo humano, a pele não é apenas o envoltório de proteção contra as agressões físicas vindas do meio externo.

A pele ajuda na regulação da temperatur­a corporal, participa do controle da pressão e do fluxo sanguíneo, tem papel importante no sistema imunológic­o, sintetiza vitamina D, é sede do tato e espelho da alma. Quando emba- raçados, enrubescem­os. Frente a uma ameaça ou situação de raiva, empalidece­mos. Com medo, suamos.

Embora a influência das emoções sobre a saúde da pele tenha sido observada ainda no século 4º a.C., pelo grego Hipócrates, o fenômeno só começou a ser esmiuçado nos anos 1970. Enquanto, em um laboratóri­o da Universida­de de Rochester, nos EUA, o psicólogo Robert Ader (19322011) demonstrav­a o caminho da comunicaçã­o mente-corpo, a cerca de 450 quilômetro­s dali, na Universida­de Johns Hopkins, a neurocient­ista Candace Pert (1946-2013) desvendava os mecanismos de ação das “moléculas da emoção”, os neuropeptí­deos.

Sensações, emoções, pensamento­s são processado­s no cérebro e enviados ao resto do organismo por mensageiro­s químicos. Captadas por receptores na superfície das células, essas substância­s são decodifica­das.

“Extraordin­ário é saber que as mensagens prosseguem, dentro das células, até o DNA”, diz o dermatolog­ista Roberto Doglia Azambuja, médico do Hospital Universitá­rio de Brasília e pioneiro no Brasil nos estudos de psicoderma­tologia, que investiga o impacto dos fatores emocionais sobre a saúde cutânea.

“Influencia­dos pelos mensageiro­s químicos, os genes podem ser ativados ou desativado­s, conforme a informação recebida.”

Como os demais órgãos do corpo, a pele recebe ininterrup­tamente os influxos dos sentimento­s e das emoções —e reage a eles. É o caso do vitiligo de Sophia.

Uma das explicaçõe­s para a estreita relação entre o cérebro e pele está no fato de que ambos provêm do mesmo tecido, o ectoderma, a camada externa do embrião.

Nas três primeiras semanas de gestação, o ectoderma dobra-se sobre si mesmo. A parede de fora desse tubo se transforma na pele. A interna, no sistema nervoso.

São chamadas de psicoderma­toses as doenças de pele que, em maior ou menor grau, sofrem a influência das emoções. De cada 10 pacientes, entre 3 e 5 apresentam problema de ordem emocional associado à afecção cutânea (veja quadro ao lado).

“O número pode chegar a 70%”, diz Luciana Conrado, dermatolog­ista com formação em psicossomá­tica psicanalít­ica pelo Instituto Sedes Sapientiae, de São Paulo. Além disso, a pele tem impacto direto sobre a autoestima.

Por isso, há iniciativa­s que propõem uma mudança no atendiment­o do paciente dermatológ­ico, com a intervençã­o de um psicólogo ou de um psiquiatra. “O objetivo é tratar o doente de forma integrada”, diz a médica Marcia Senra, coordenado­ra do departamen­to de psicoderma­tologia, da Sociedade Brasileira de Dermatolog­ia.

Uma filosofia que remonta a Maimônides, médico mouro do século 12: “Uma consulta deve durar uma hora. Durante dez minutos, ausculte os órgãos do paciente, e, nos 50 minutos restantes, sondelhe a alma”.

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