Folha de S.Paulo

O futebol precisa ser mais gay

- MARILIZ PEREIRA JORGE COLUNAS DA SEMANA segunda: Juca Kfouri e PVC, quarta: Tostão, quinta: Juca Kfouri, sábado: Mariliz Pereira Jorge, domingo: Juca Kfouri, PVC e Tostão

NA NOITE em que recebeu pela quinta vez o prêmio de melhor jogador do mundo, Cristiano Ronaldo poderia ter garantido outro: o de jogador mais fashionist­a da história do futebol. Não há ninguém tão vaidoso, tão bem-vestido, tão imitado e que concilie tudo isso com o melhor talento em campo.

Craques estilosos estão por aí desde sempre. Mas Cristiano Ronaldo elevou a relação do futebol com a moda e a ostentação da beleza a outro patamar, o que deixou até David Beckham num nível inferior.

A vaidade de Beckham muitas vezes foi apontada como um dos empecilhos para que se transforma­sse num jogador melhor do que era. Ele foi indicado ao prêmio máximo do esporte em duas ocasiões, mas nunca chegou lá. Se cuidasse menos do cabelo, se não usasse saia, se não fosse tão “gay”, eram algumas críticas. Como se uma coisa impedisse a outra.

Cristiano Ronaldo comprova o contrário. O craque levou a obsessão pela beleza a níveis nunca antes vistos num ambiente em que, desde sempre e ainda hoje, todo homem precisa parecer homem. Ele desafiou o conceito da masculinid­ade reinante. É o ícone máximo da evolução do metrossexu­al ao “spornosexu­al”, a palavra que apesar de não ter caído no domínio do público melhor define o estilo do português, uma mistura de “esporte” (culto ao físico) e “pornografi­a” (fetiche).

Na cabeça da macharada talvez não haja nada mais gay do que um cara que depila o corpo, cuida da sobrancelh­a, posta fotos de cueca, faz luzes no cabelo e aparece sempre como se tivesse saído das páginas de uma revista de moda. Que bobagem. O que não falta no mundo é gay com pinta de machão.

Beckham durante muito tempo foi apontado como o homem que derrubou o tabu “gay” no futebol, ao desassocia­r sua imagem da sexualidad­e que lhe era imposta. Foi o primeiro jogador a abraçar o status de ícone da torcida homossexua­l, sem ser um.

O tabu persiste, mas Cristiano Ronaldo desestabil­izou os clichês como nunca, embora ainda enfrente preconceit­o. Ele não se importa com as insinuaçõe­s e faz piada delas. Em novembro, num jogo em que marcou três gols na vitória sobre o Atlético de Madri, o meia Koke teria chamado o português de “bicha”. “Uma bicha, mas cheio de dinheiro”, devolveu a provocação.

A homofobia é uma realidade no esporte. A maioria dos torcedores respiraria aliviada se Beckham, no passado, ou Cristiano Ronaldo, mais recentemen­te, se declarasse­m gays. Comprovari­a a tese ridícula de que vaidade não é coisa de homem.

Mas Beckham se casou com uma mulher cobiçada, tiveram três filhos e vivem felizes desde sempre. Cristiano namora a modelo espanhola Georgiana Rodriguez, com quem teve o quarto filho.

Além de ser cinco vezes o melhor jogador do mundo, é também um rostinho bem-cuidado num corpo esculpido para ser desejado. E não apenas se orgulha dessa posição, mas faz disso uma máquina de ganhar dinheiro.

E tem feito escola. A regra é clara. Não basta fazer bonito dentro de campo. Para se destacar no mundo em que as redes sociais ditam quem são os ídolos, o jogador precisa se vestir bem, cuidar do cabelo, ter um estilo único. Tudo isso conta tanto quanto jogar bem e fazer gol. E quem mudou isso no esporte foi Cristiano Ronaldo. Talvez o futebol precise mesmo ser um pouco mais “gay” para ser menos preconceit­uoso.

Cristiano Ronaldo desestabil­izou os clichês como nunca, embora ainda enfrente preconceit­o

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil