É necessário mudar a cultura da herança no Brasil, diz fundador da Cyrela
FOLHA,
“Não consigo entender por que amealhar dinheiro sem ajudar [os pobres]. Não tem lógica. Não é justo. Nossa obrigação é conscientizar todo o mundo para fazer o bem.” A afirmação é de Elie Horn, fundador da incorporadora Cyrela, referência na incipiente filantropia brasileira.
Não são fáceis os comentários públicos sobre desigualdade entre expoentes da alta renda no país. A reportagem contatou as assessorias de imprensa dos dez maiores bilionários do país, como Jorge Paulo Lemann, Maria Helena e Ermirio Pereira de Moraes e José Roberto Marinho. Nenhum quis comentar o tema.
O cenário está mudando, na opinião de Neca Setubal, presidente do conselho do Gife (associação de investidores sociais) e acionista do Itaú.
Para ela, a desigualdade deixou de ser assunto da esquerda. “O tema está forte no mundo. Neste ano, no Fórum Mundial, que não é de esquerda, foi dito que isso tem que estar no foco. Os economistas viram que o nível de desigualdade está afetando o crescimento sustentável.”
Horn, que há dois anos anunciou a doação de 60% de seu patrimônio, estimado em US$ 1 bilhão, diz que o empresariado tem forte papel no combate à desigualdade. Ele conta que seu pai doou 100% do patrimônio, o que o estimulou a construir a própria fortuna. Para Horn “é necessário mudar a cultura da herança no país”.
Para economistas, o baixo imposto de herança no Brasil (de até 8%) desestimula a filantropia e eleva a desigualdade. Mas Horn duvida da eficácia de elevá-lo e diz que a decisão deve ser pessoal.
“Aumentar imposto não resolve, só afasta as pessoas. Por isso a França está cortando imposto. Tem é que conscientizar [para a doação].”
Para o fundador da Cyrela, combater a pobreza é um “dever moral” que precisa ser exposto e discutido para promover a “conscientização”. Falar disso publicamente foi uma barreira que Horn diz ter rompido em nome da causa.
“As pessoas não querem se expor. Até três anos atrás, eu não queria. Perde tempo, cria inimigos. Sempre há o lado negativo. Mas o positivo é maior. Falar publicamente é fazer com que outras pessoas repitam o bem”, diz. FRANÇA No mês passado, o ministro da Economia francês, Bruno Le Maire, anunciou um corte de imposto para o topo da pirâmide social francesa.
A nova medida da Presidência de Emmanuel Macron é a “flat tax”, para reformar o imposto sobre aplicações financeiras, levando a taxa de progressiva a uma alíquota única de 30% sobre ganhos de capital —atualmente a taxa pode chegar a 60%.
Ela privilegia principalmente grandes investidores. O 1% mais rico na França abrange cerca de 300 mil contribuintes, que detêm 10,4% da renda total distribuída no país. (JOANA CUNHA E MÁRIO CAMERA)