Folha de S.Paulo

República do Arpoador

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RIO DE JANEIRO - Talvez por não ter nada para fazer na Câmara, um nobre vereador do Rio resolveu surfar na onda separatist­a da Catalunha.

Carlo Caiado (DEM) apresentou um projeto de lei que propõe a subdivisão de Copacabana e Ipanema, criando o bairro do Arpoador, formado pelo polígono limitado pelas ruas Gomes Carneiro, Bulhões de Carvalho (a popular Quase-Quase) e Francisco Otaviano, nele incluído a grande pedra —da qual, no passado, arpoavam-se baleias— e a faixa de areia com cerca de 500 metros de compriment­o mundialmen­te famosa. Dali descortina-se, em arco, uma das mais belas vistas da cidade: toda a praia de Ipanema e a do Leblon, os picos do morro Dois Irmãos e a pedra da Gávea.

Encantos e histórias abundam no Arpoador e na vizinha praia do Diabo. Em 1916 Isadora Duncan dançou nua à beira-mar, ao lado do gordote João do Rio, que, contendo-se o mais que pôde, continuou vestido como um dândi inglês. Na década de 1940, enquanto os garotos pegavam jacaré de peito, as meninas usavam maiôs de duas peças, com a calcinha a quatro dedos acima do umbigo.

Região mais ou menos secreta até a explosão imobiliári­a dos anos 1970, funcionou como laboratóri­o de modas e costumes. Nasceu ali o gesto bobo de aplaudir o pôr do sol, e, sob a lona azul e branca do Circo Voador, a Blitz fez em 1982 um show mágico para pouco mais de 100 pessoas, mas que todo carioca garantiu ter assistido: “Você não soube me amar!”.

Periga que, depois do Arpoador, a independên­cia chegue a outras plagas. O Leme até escolheu o hino, na voz de Carmen Miranda: “Paris, je t’aime, mas eu gosto muito mais do Leme”. Na fila da emancipaçã­o, estão Lido, Bairro Peixoto, Bar Vinte, Beco da Cirrose, Complexo da Ouvidor-Rosário, Baixo Gávea, Alto e Baixo Leblon. E um amigo meu já se prepara para coroar-se rei das ilhas Cagarras. NABIL BONDUKI

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