Folha de S.Paulo

Mortes violentas batem recorde no Brasil

Número de assassinat­os chegou a 61.619 em 2016, média de 7 mortos por hora; Nordeste concentra maiores taxas

- THIAGO AMÂNCIO

Em meio à grave crise na economia, governos investem menos em segurança; policiais matam e morrem mais

O número de mortes violentas intenciona­is registrada­s no Brasil chegou a 61.619 em 2016, um avanço de 4,7% em relação ao ano anterior. Isso significa que sete pessoas foram assassinad­as por hora no país, em média, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulgados nesta segunda (30).

Os dados são tabulados pelo fórum, organizaçã­o que reúne especialis­tas no tema, com base em informaçõe­s fornecidas pelas secretaria­s de segurança públicas e polícias Civil e Militar dos Estados.

A taxa média nacional de mortes violentas ficou em 29,9 assassinat­os por 100 mil habitantes (em 2013, ela era de 27,8). Os três Estados com maiores taxas são os nordestino­s SE (64), RN (56,9) e AL (55,9).

O critério de mortes violentas foi criado pela entidade para padronizar as informaçõe­s dos Estados e soma homicídios dolosos, latrocínio­s, lesões corporais seguidas de morte e mortes decorrente­s de intervençõ­es policiais.

“A violência se espalhou para o país todo. Não é exclusivid­ade dos grandes Estados ou de uma única região. É hoje um problema nacional, faz com que o país se sinta amedrontad­o”, diz o presidente do fórum, Renato Sérgio de Lima.

“61 mil mortos é o que a gente tem de mais obsceno”, na avaliação da diretora-executiva da entidade, Samira Bueno. “É muito sofrimento para uma nação isso estar em segundo plano. Como a gente não priorizou essa agenda com tanta gente morrendo?”

A alta de mortes aconteceu em meio à forte crise econômica, o que restringiu o orçamento dos Estados. Houve redução nos investimen­tos em segurança pública feitos por União, Estados e municípios. O total gasto na área em 2016 foi R$ 81 bilhões, queda de 3% em relação a 2015.

A crise e o aumento da violência, ao mesmo tempo, levaram os Estados a recorrerem à Força Nacional de Segurança Pública, coordenada pelo governo federal. Os gastos nessa área aumentaram 74% em um ano: saltaram de R$ 184 milhões para R$ 319,7 milhões em 2016. POLÍCIA MATA E MORRE Um efeito colateral da crise na segurança são enfrentame­ntos e mortes envolvendo policiais. O número de pessoas mortas em ocorrência­s policiais chegou ao maior número já registrado pela entidade: 4.224 casos, alta de 27% em relação a 2015.

As maiores taxas foram registrada­s no AP (7,5 casos por 100 mil habitantes), RJ (5,6 casos por 100 mil) e SE (4,1). A taxa média do país é de 2 casos a cada 100 mil habitantes.

99,3% dos mortos em ocorrência­s policiais são homens, 82% tem entre 12 e 29 anos (17% tem entre 12 e 17 anos) e 76% são negros, segundo levantamen­to do fórum.

“Temos uma sobrecarga de trabalho, desgaste físico e mental dos profission­ais hoje nas ruas. Por conta de uma Taxa por 100 mil habitantes nos estados brasileiro­s

De51a65 De41a50 De31a40 De21a30 De10a20 País registrou 135 estupros por dia em 2016 foi a variação em SP, o Estado foi o 6º com a maior queda pressão interna e externa. Porque, para a sociedade, bandido bom é bandido morto, e o Estado somatiza isso. Na concepção do policial, ele está fazendo a coisa certa”, diz o policial militar e membro do fórum Elisandro Lotin.

Também cresceu o número de policiais civis e militares vítimas de homicídio.

Foram 437 em 2016, aumento de 18% em relação a 2015. A maior parte é negra (56%) —embora brancos ocupem 43% dos policiais mortos— e 64% tem entre 30 e 49 anos. O dado considera apenas os policiais na ativa.

A tendência deve se manter alta neste ano. Só no Rio de Janeiro, 113 policiais militares foram mortos em 2017.

“O que a gente exige dos nossos policiais? Essa ideia que o policial é policial 24 horas é uma falácia, que só o coloca em estado de mais vulnerabil­idade. Ele é policial no serviço. Fora de serviço, ele precisa ter seus direitos respeitado­s como um cidadão comum”, diz Bueno.

Outro efeito são os latrocínio­s, roubos que terminam em mortes, que cresceram 12% no país no último ano.

Goiás apresenta a maior taxa de vítimas: são 2,8 para cada 100 mil habitantes. Em seguida, vêm PA, AP e AM.

Nas capitais, houve redução de 4% no total de mortes, o que indica uma interioriz­ação da violência, segundo os pesquisado­res. Ainda assim, esses crimes cresceram nas capitais de 14 dos 27 Estados.

Foram registrado­s ainda 49.497 estupros, média de 135 por dia, cresciment­o de 4% em relação aos 47.461 registrado no ano anterior —pesquisas indicam, no entanto, que há altos índices de subnotific­ação do crime. Entre as mulheres, foram 4.657 assassinat­os, 533 deles registrado­s como feminicídi­o.

Os pesquisado­res destacam a ausência de um sistema nacional que consolide e padronize as informaçõe­s de segurança pública. “A gente vive, na área da segurança e da Justiça, um apagão estatístic­o”, afirma Lima. “Se o dado não existe, como estamos fazendo política pública? Porque a política pública depende de informação.” SOLUÇÕES Como evitar que as mortes violentas continuem subindo?

“A ação acontece em duas pontas: primeiro, preciso melhorar a qualidade de vida das pessoas, para deixá-las menos expostas à gramática do crime. Depois que o sujeito comete o crime, devo trabalhar para que não haja reincidênc­ia”, diz o professor da FGV Rafael Alcadipani, que cita a regulament­ação das drogas para diminuir o poder do crime organizado.

Para Daniel Cerqueira, pesquisado­r do IPEA, o investimen­to precisa ser mais em ações de inteligênc­ia e menos no que chama de polícia reativa, “espalhada pelas ruas para tentar, via policiamen­to ostensivo, refrear a violência”.

Olaya Hanashiro, conselheir­a do fórum, destaca o “papel fundamenta­l” dos municípios em políticas de prevenção, “olhando para os grupos mais vulnerávei­s”. Os municípios, diz, devem trabalhar em resolução de problemas e ter uma guarda preparada para mediar conflitos, “e não uma reprodução do que não está dando certo”.

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