Folha de S.Paulo

Paradoxo Temer

Apesar da impopulari­dade e de escândalos, presidente faz avançar reformas graças a um modo de governar mais próximo ao parlamenta­rismo

-

Excetuando sociedades marcadas por conflitos armados, tensões étnicas e religiosas ou miséria crônica, o Brasil está sem dúvida entre os países mais difíceis de governar.

Não bastassem as dimensões do território e da população, há profundas desigualda­des sociais e regionais, que se traduzem em demandas múltiplas e, não raro, contraditó­rias entre si.

Depois de sucessivos percalços ao longo da história, viabilizou­se uma democracia baseada num sistema político permissivo, que ao mesmo tempo favorece a proliferaç­ão de partidos e a baixíssima fidelidade dos eleitos às siglas.

Acrescente-se uma organizaçã­o federativa, com 26 Estados e 5.570 municípios dotados de autonomia administra­tiva, e um Congresso Nacional bicameral —o resultado é uma pletora incomum de obstáculos potenciais a medidas do Executivo ou propostas legislativ­as.

Se governante­s em todo o mundo costumam ser avaliados pela capacidade de promover reformas, aqui a mera conclusão do mandato tem se mostrado um desafio.

Nesse contexto, parecem espantosos os resultados obtidos por Michel Temer (PMDB) em menos de um ano e meio de uma Presidênci­a acidentada desde a origem.

Aprovaram-se projetos tão controvers­os quanto o redesenho da legislação trabalhist­a e o teto constituci­onal para os gastos públicos, sob oposição do sindicalis­mo e de amplas parcelas do Judiciário. Reduziram-se subsídios do BNDES a grandes empresas; deu-se início à reformulaç­ão do ensino médio.

A despeito da impopulari­dade acachapant­e e crescente, Temer também conseguiu votos para barrar as duas denúncias por crime comum de que foi alvo —a primeira delas com elementos mais do que suficiente­s para justificar uma investigaç­ão que o afastaria do cargo.

De modo contraintu­itivo, o cientista político Carlos Pereira sustentou, em artigo publicado nesta Folha, que tais vitórias se deram a um custo baixo, na comparação com os verificado­s em governos anteriores, conforme índice engenhoso que combina a quantidade de ministério­s e o volume de verbas liberadas à coalizão situacioni­sta.

Sempre haverá o que questionar, claro, em métricas do gênero. Mas é fato que o peemedebis­ta, experiente no manejo congressua­l, uniu em torno de si partidos com razoáveis afinidades programáti­cas e de preferênci­as mais próximas às da média do Legislativ­o.

Tudo isso facilita, decerto, a gestão da aliança —embora não se possam isolar, no caso de Temer, os efeitos da crise econômica brutal sobre o senso de urgência de deputados e senadores.

Evidenciam-se, por vias tortas, as vantagens de um regime de governo mais assemelhad­o ao parlamenta­rista. Nota-se, ainda, que nosso presidenci­alismo pode ser particular­mente hostil a neófitos.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil