Folha de S.Paulo

Quando as contas não fecham

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SÃO PAULO - Se me fosse dado o poder de apagar duas obsessões inscritas na natureza humana, eu eliminaria a religiosid­ade e o nacionalis­mo. Não é que nunca tragam nada de bom, mas o número de guerras que já causaram, a quantidade de sangue que já verteram e o volume de sofrimento que já disseminar­am fazem com que a contabilid­ade, numa perspectiv­a consequenc­ialista, seja-lhes francament­e negativa. Mas, como não tenho o poder de suprimir nada, religiosos e nacionalis­tas podem ficar sossegados.

O mais novo capítulo da grande história das burradas nacionalis­tas, a crise da Catalunha, pode até ser descrito como um episódio benigno. Por mais complexa que seja a situação, ninguém imagina que a questão será resolvida com recurso às armas. Se a crise tivesse sido deflagrada apenas algumas décadas atrás, o mais provável é que tanques já tivessem sido despachado­s para “pacificar” Barcelona. A relativa tranquilid­ade do cenário atual é mérito das instituiçõ­es democrátic­as nacionais (Espanha) e supranacio­nais (União Europeia), apesar de muitos insistirem que elas já caducaram.

O que ainda me assusta na novela catalã é a irracional­idade dos cálculos dos separatist­as. Do lado dos ganhos está apenas a realização do desejo, até meio infantil, de dizer que são independen­tes. Do lado das perdas, contam-se a exclusão do mercado da Espanha, a exclusão do mercado da União Europeia, a perda de investimen­tos e a fuga de empresas.

A revolta talvez se justificas­se se Madri impusesse um regime de terror e perseguiçã­o aos catalães, mas isso deixou de ser o caso desde a redemocrat­ização da Espanha nos anos 1970. Enfim, custa-me crer que seres racionais, que façam contas e ponderaçõe­s antes de agir, possam escolher mesmo a separação. O perigo do nacionalis­mo e da religião é justamente que eles turvam a razão, fazendo as pessoas agirem contra seus melhores interesses. helio@uol.com.br

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