Cadeia ganha ‘home theater’ e depois perde
O ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), concedeu habeas corpus nesta terça-feira (31) suspendendo a transferência do ex-governador Sérgio Cabral para um presídio federal no Mato Grosso do Sul.
A transferência foi determinada pelo juiz Marcelo Bretas, do Rio de Janeiro, na semana passada. A defesa do ex-governador do Rio entrou então com um pedido de habeas corpus no STF. O caso foi para as mãos de Gilmar, que já atuou em outro caso ligado a Cabral.
Na unidade de Campo Grande (MS) estão detidos alguns integrantes do Comando Vermelho no Rio. De acordo com os advogados, Cabral teve participação na transferência desses criminosos.
“É dizer: já não só os direitos e garantias processuais do paciente estariam seriamente comprometidos, mas, a partir da malsinada transferência, também a sua integridade física e até a sua vida passariam a correr perigo”, afirmam os advogados.
Bretas decidiu transferir Cabral para um presídio federal porque, durante uma audiência na Justiça Federal, o ex-governador mencionou a família do juiz, que trabalha no ramo de bijuterias.
Para o procurador Sérgio Pinel, Cabral teve acesso a “informações indevidas dentro da cadeia”.
No pedido ao Supremo, contudo, a defesa afirma que o comentário não pode ser interpretado como ameaça e menciona que o próprio juiz abordou a atividade econômica de seus familiares em uma entrevista.
A defesa diz ainda que Cabral não tentou obstruir qualquer investigação, que sua permanência no Rio favorece o direito à ampla defesa e que ele tem família no Estado.
O peemedebista está preso desde novembro de 2016 e responde a 16 processos.
Gilmar Mendes concordou com os argumentos da defesa. Para o ministro, a menção à família de Bretas não se tratou de ameaça e tampouco Cabral recebeu informação privilegiada estando dentro do presídio.
“Ainda que desastrada, a alegação do réu tem ligação com o caso em julgamento e representa conhecimento de dado tornado público pela própria família do julgador”, escreveu o ministro.
“O fato de o preso demonstrar conhecimento de uma informação espontaneamente levada a público pela família do magistrado não representa ameaça, ainda que velada. Dessa forma, nada vejo de relevante na menção à atividade da família do julgador”, afirmou Gilmar.
Sobre o suposto tratamento privilegiado no sistema carcerário, o magistrado disse que trata-se de fato grave, a merecer reação vigorosa, caso efetivamente esteja ocorrendo. “No entanto, ainda que ilegal, o acesso indevido a confortos intramuros não constitui risco à segurança pública”, afirmou.
Em agosto, Gilmar libertou quatro pessoas ligadas ao suposto esquema de corrupção do ex-governador. Ele estendeu ao grupo o habeas corpus que havia concedido a Jacob Barata Filho, conhecido como “rei do ônibus”, e decretou medidas alternativas à prisão a Cláudio Sá Garcia de Freitas, Marcelo Traça, Enéas da Silva Bueno e Octacílio de Almeida Monteiro.
Na decisão, afirma que “juízes não podem ceder à pressão do grupo de trêfegos e barulhentos procuradores nem se curvar ao clamor popular”, uma menção a Bretas.
DO RIO
A Secretaria de Administração Penitenciária do Rio afirmou na noite desta terça-feira (31) que vai retirar equipamentos de “home theater” da cadeia pública José Frederico Marques, onde está preso o ex-governador Sérgio Cabral.
A aparelhagem, segundo nota divulgada anteriormente pelo órgão, havia sido doada por duas igrejas evangélicas. O ex-secretário Wilson Carlos, também condenado em decorrência da Operação Lava Jato, seria o responsável no local por cuidar do “cinema caseiro”, o que lhe daria direito a abatimento no total da pena.
Os doadores oficiais, no entanto, negaram ter adquirido os equipamentos. Reportagem do “Jornal Nacional”, da TV Globo, mostrou que a Igreja Batista do Méier só “emprestou” o nome para que os aparelhos chegassem ao presídio como doação. À emissora, uma missionária da entidade disse que o “home theater” foi adquirido pelos próprios presos.
A entrada na cadeia do tocador de blue ray, uma TV de LED 65 polegadas, caixas de som e 160 CDs foi inicialmente atribuída à Igreja do Méier —que já havia negado em uma rede social ter feito a doação— e à Comunidade Cristão Novo Dia —que não se pronunciou sobre o caso.
“A Seap informa que infelizmente vai suspender qualquer tipo de doação feita por entidades religiosas para unidades prisionais”, afirmou a pasta.
O Ministério Público do Rio disse, em nota, que instaurou um procedimento para investigar a “possível prática de crimes contra a administração pública, falsidade ideológica ou material”.