500 ANOS DE REFORMA PROTESTANTE Luteranos alemães enfatizam ecumenismo
Em celebração do jubileu na ‘meca’ protestante, líderes religiosos defendem reaproximação com Igreja Católica
Cerca de 35 mil pessoas assistiram a festejos em Wittenberg, cidade em que Lutero apresentou teses críticas a católicos FOLHA
A pequena cidade de Wittenberg, no leste da Alemanha, se transformou nesta terça (31) em uma “Meca” do protestantismo na celebração do aniversário de 500 anos da Reforma Protestante.
Foi na porta da igreja de um castelo local, segundo a tradição luterana, que o então frade Martinho Lutero pregou, em 31 de outubro de 1517, suas 95 teses críticas à Igreja Católica —ele foi excomungado quatro anos depois. O evento marca o cisma entre católicos e protestantes.
Na Alemanha, Lutero não é apenas um líder religioso, mas uma figura de profunda influência cultural. Sua tradução da Bíblia colaborou para padronizar a língua alemã, e o estímulo a sua leitura ajudou a promover a educação.
Em mensagem sobre a data, a chanceler Angela Merkel, filha de um pastor luterano, disse que, com suas teses, o reformador “desencadeou um processo que não podia mais ser interrompido”.
O jubileu deste ano foi o primeiro desde a reunificação alemã. O país ainda estava dividido quando foram comemorados os 500 anos do nascimento de Lutero, em 1983, e participava da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) nos 400 anos da reforma.
Em ambos os casos, as festividades ainda exibiam ressentimento com a Igreja Católica. Desta vez, a Igreja Evangélica da Alemanha (EKD), que reúne mais de 20 denominações, deu ênfase no ecumenismo e à aproximação com o catolicismo.
Além dos católicos, participaram da comemoração líderes ortodoxos e judaicos. Ainda em gesto de reaproximação, o presidente do Conselho da EKD, bispo Heinrich Bedford-Strohm, fez um discurso direcionado ao papa Francisco. “Quando você vier a Wittenberg, vamos recebê-lo de todo o coração”.
O governo alemão decretou feriado neste ano para marcar os 500 anos da reforma. Cerca de 35 mil pessoas foram a Wittenberg —as autoridades locais esperam que 2 milhões de pessoas visitem a cidade neste ano.
Entre os turistas havia 82 fiéis da Igreja Comunidade das Nações, de Brasília. Viajando sozinho, o pastor Eliel Leonardo, da Assembleia de Deus Ministério Madureira, disse em frente à Igreja do Castelo que era “um privilégio” celebrar a data na Alemanha.
O curitibano Claiton Werner Küster, 50, membro da Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB), chegou a Wittenberg como parte de uma viagem que inclui outros locais por onde Lutero passou, como Eisleben (cidade onde o líder nasceu) e Worms.
Sete anos atrás, ele caminhou 1.500 quilômetros da Alemanha até Roma, como fez o reformador em 1511. “Considero Lutero um grande exemplo, um homem de profunda determinação.”
Praticamente toda a economia da Wittenberg gira em torno do reformador. Lojas vendem a cerveja Lutero e todo tipo de quinquilharia associada ao líder religioso, como camisetas em que ele aparece estilizado como Che Guevara acima da mensagem “Viva la reformation!”. DIFERENÇAS Embora os líderes protestantes alemães tenham apontado o aprofundamento do diálogo com outras correntes cristãs como uma das grandes conquistas do jubileu, a ideia parece não interessar parte dos dirigentes.
“Somos diferentes. Os protestantes ordenam mulheres, pastores podem casar, viver com famílias. Mas essa diferenças são também criativas. Uma igreja unificada seria tão chata quanto um partido único”, disse a embaixadora do jubileu, Margot Kässmann.
O interesse renovado pela cidade e pela figura de Lutero também voltou a levantar aspectos mais controversos, em especial a pregação antissemita do reformador.
Em meio às celebrações desta terça em Wittenberg, um manifestante empunhava um cartaz contra a presença de um relevo que ainda adorna a fachada da igreja de Santa Maria e mostra um grupo de judeus caricatos em volta de uma porca.
Há várias petições que pedem a retirada da obra, mas a prefeitura e a congregação defendem a manutenção. “Não se trata de esquecer o lado negro, mas de enfrentálo”, disse o pastor da igreja, Johannes Block.
As celebrações também ocorreram em um momento de declínio do cristianismo, em especial do protestantismo, na Alemanha. O percentual de protestantes no país caiu de 60% no jubileu de 400 anos para 26,5% hoje.
A queda foi maior no leste, sob influência do comunismo de 1949 a 1990. Mesmo em Wittenberg, apenas 12% dos 46 mil habitantes são fiéis de igrejas protestantes.