Folha de S.Paulo

Um passo inevitável e justificad­o

- JOSÉ IGNACIO TORREBLANC­A

A atuação do governo da Espanha em relação à Catalunha era inevitável e necessária. Fazia tempo que a situação havia passado do admissível. O Tribunal Constituci­onal do país anulara as leis do plebiscito e da transição para a independên­cia, aprovadas pelo Parlamento catalão no início de setembro, mas a maioria independen­tista da Casa e do governo local ignorou as anulações e realizou a consulta ilegal em 1° de outubro.

O plebiscito de autodeterm­inação era pretensame­nte vinculante (o Parlamento deveria aceitar seu resultado), apesar de carecer de censo eleitoral, resultados verificáve­is e de um percentual mínimo de participaç­ão da população.

Desde a consulta, a sociedade catalã estava rompida e à beira de um enfrentame­nto. Mais de mil empresas, incluindo os principais bancos, estavam saindo da Catalunha. Ademais, o governo e o Parlamento já estavam claramente fora da lei e da Constituiç­ão, e a força policial da região, os Mossos d’Esquadra, haviam deixado de obedecer às ordens dos tribunais de Justiça.

Sobreveio, então, a declaração unilateral de independên­cia, em 27 de outubro, por parte de 70 deputados do Parlamento regional, o que tornou inevitável a intervençã­o. Nessas circunstân­cias, o governo central pôs em marcha o artigo 155 da Constituiç­ão, previsto especifica­mente para situações como a atual, isto é, quando uma autoridade regional desobedece à Constituiç­ão ou aos tribunais.

Trata-se de um artigo idêntico aos que existem em muitas Constituiç­ões federais, como a da Alemanha (artigo 37), e que permite, como foi o caso na Espanha, avisar as autoridade­s regionais de sua desobediên­cia, dar-lhes prazo para retificaçã­o e, se continuam a descumprir a lei, tomar as medidas necessária­s para que se restaure a legalidade.

No mesmo dia 27, o Senado espanhol aprovou, por 214 votos a favor, 47 contra e 1 abstenção, destituir o governo regional, dissolver o Parlamento catalão e convocar eleições naquela comunidade autônoma para 21 de dezembro.

Dessa maneira, os catalães terão a oportunida­de de se expressar livremente, sem coação, e de eleger o governo que queiram para os próximos quatro anos.

Essas medidas não só contaram com o apoio do governista Partido Popular (conservado­r), mas também com o da principal sigla de oposição (o socialista PSOE) e do liberal Cidadãos, de centro. Esses três partidos obtiveram 16,5 milhões de votos nas eleições gerais de junho de 2015, ou 68,7% dos sufrágios.

Além disso, como se viu nas duas grandes manifestaç­ões ocorridas em Barcelona, uma parte importantí­ssima da população —a chamada “maioria silenciosa”— se mobilizou, por fim, para defender seus direitos e liberdades diante de um projeto secessioni­sta construído à base de mentiras e falsidades, de modo semelhante ao “brexit” ou à campanha de Donald Trump nos EUA.

A democracia espanhola atuou com prudência, mesura e proporcion­alidade para restaurar a ordem constituci­onal e impedir que uma minoria independen­tista impusesse à maioria dos catalães uma saída forçosa da União Europeia e uma perda sem paralelos de direitos e bem-estar. A Espanha o fez, aliás, com apoio dos governos e instituiçõ­es ligados à UE, preocupado­s com a repercussã­o que uma vitória do nacionalis­mo populista poderia ter sobre o resto do território europeu.

O problema catalão não está resolvido, mas por fim a democracia tomou a iniciativa, e a Constituiç­ão volta a vigorar na Catalunha. JOSÉ IGNACIO TORREBLANC­A

A ministra dos Direitos Humanos, Luislinda Valois, demonstrou ao mundo a importânci­a da portaria do Ministério do Trabalho que trata da definição e da fiscalizaç­ão do trabalho escravo no Brasil. Nem a AGU teria idealizado estratégia tão genial, tão fulminante, na defesa dessa norma, atualmente questionad­a perante o STF.

MÁRCIO CAMARGO FERREIRA DA SILVA

A ministra dos Direitos Humanos, que usa sua trajetória como exemplo de superação, se esqueceu da realidade; esqueceu-se do que as pessoas necessitad­as passam. É duro pensar que, enquanto tanta coisa séria acontece, tem alguém que parece estar sem demanda de serviço, já que redigir um documento com mais de 200 páginas não é lá tarefa das mais simples. Falta um pouco de luta por produtivid­ade no poder público; e enquanto não for necessário lutar para que no fim do mês o dinheiro esteja garantido, para alguns o cargo vai continuar sendo “oficina do diabo” donde nascerão “genialidad­es” como a que hoje nos assombra.

IGHOR NEVES AMORIM

É impression­ante como nos últimos tempos a figura de dom Pedro 2º vem sendo reverencia­da como uma das mais ilustres brasileira­s (“Coleção para a humanidade”, “Opinião”, 3/11). Sem dúvida, em tempos de Lava Jato, dom Pedro se destaca como um verdadeiro patriota. Seu amor às artes e ao país foi inegável. Como bem lembrou Ruy Castro, d. Pedro não viajava a turismo, mas afirmar que ele pagava suas despesas é forçar um pouco a barra, pois, sendo imperador, suas despesas sempre foram pagas pelo povo, o que não diminui a grandeza de sua personalid­ade.

MACER NERY FILHO

Leitores Chamar de “ultralúcid­o” (Painel do Leitor, 2/11) um homem que dá as costas à cultura e ao meio ambiente porque só consegue pensar em dinheiro e desqualifi­ca um artista porque ele é “pobre” serve como exemplo da indigência moral a que chegou uma parte da sociedade brasileira.

LEANDRO VEIGA DAINESI

Bolsonaro

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