Folha de S.Paulo

Descolamen­to da realidade é a nova etapa da aventura política, que saiu cara

- ROBERTO DIAS

Primeiro foi a irresponsa­bilidade política. O governo de Carles Puigdemont esticou a corda da independên­cia catalã sem ter: 1) apoio majoritári­o da população local; 2) suporte da elite econômica; 3) amparo da lei; 4) respaldo internacio­nal; 5) força militar para levar a cabo sua vontade; 6) coragem de declarar a separação com todas as letras e em alto e bom som.

O movimento acabou explicitan­do as fragilidad­es do dito independen­tismo, inclusive no grupo político que empunhava a bandeira —no auge da tensão, nem todos mostraram tanta vontade assim de picotar o mapa espanhol.

Sobreveio o descolamen­to da realidade. Derrotado e destituído do comando da Catalunha, cada vez mais fragilizad­o em seus argumentos, o bloco independen­tista parece ter nos últimos dias se descolado da realidade.

À ordem de prisão de integrante­s do ex-governo seguiu-se como gritaria a ideia de que a Europa do século 21 estaria criando presos políticos. É daquelas frases que brilham nas redes sociais, mas que não sobrevivem à lei.

Os crimes dos quais o Ministério Público acusa os políticos (desobediên­cia e sedição, entre outros) estão muito longe de ser coisa pequena; as penas vão a 30 anos.

Como a história se desenrolou publicamen­te, não é difícil demonstrar que eles trocaram o terreno da oposição política pelo da ilegalidad­e.

O distanciam­ento da realidade ganhou tons de pastelão na boca de Puigdemont. Refugiado em Bruxelas,declarou: “Como presidente legítimo da Catalunha, exijo a liberação dos conselheir­os”.

A frase espanta duas vezes. Primeiro por sustentar que ainda está no cargo, evidente ficção (muito diferente seria se defendesse que o governo atual é ilegítimo). Segundo porque, ainda que estivesse no comando, não caberia a ele, como cabeça do Executivo, “exigir” a libertação de um preso por ordem judicial.

Há aqui um incrível caso de guerra de imagem. O lado catalão tinha larga vantagem, advinda da opressão madrilenha no passado e do soft power de Barcelona, mas esse capital foi se esvaziando trapalhada após trapalhada.

A tradução disso na vida real deu mais um sinal nesta sexta (3): o aumento da desocupaçã­o catalã em outubro foi o dobro da espanhola.

Houvesse no Código Penal de lá a tipificaçã­o do crime de aventura política, a Promotoria teria que encorpar sua acusação aos políticos.

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