Folha de S.Paulo

Stents não aliviam dor cardíaca, diz estudo

Estima-se que mais de 500 mil pessoas recebam o dispositiv­o todos os anos para esse fim

- JULIO ABRAMCZYK GINA KOLATA

Um procedimen­to usado para aliviar dores cardíacas em centenas de milhares de pacientes a cada ano na verdade é inútil para muitos deles, segundo um estudo publicado na quarta-feira (1º).

Seu foco é a inserção de stents, pequenas gaiolas de arame usadas para manter abertas artérias bloqueadas. O dispositiv­o pode salvar vidas quando usado para abrir as artérias de alguém que esteja sofrendo um ataque cardíaco.

Mas ele costuma ser usado com mais frequência em pacientes que têm uma artéria bloqueada e sofrem dores no peito, por exemplo, ao subir escadas. Mais de 500 mil pacientes de doenças cardíacas recebem stents a cada ano para aliviar dores no peito, no cômputo mundial, de acordo com os pesquisado­res. E há estimativa­s ainda mais altas. O procedimen­to de inserção custa de US$ 11 mil a US$ 41 mil, nos hospitais dos EUA.

O novo estudo, publicado pela revista “Lancet”, atordoou os cardiologi­stas porque contraria décadas de experiênci­a clínica. As constataçõ­es causam questões sobre se os stents deveriam ser usados com tanta frequência —se é que deveriam ser usados— para tratar dores no peito.

Para o estudo, Justin Davies, cardiologi­sta do Imperial College de Londres, e seus colegas recrutaram 200 pacientes que sofriam bloqueio profundo em uma artéria e dores no peito severas o bastante para limitar a atividade física —duas razões comuns para o uso de um stent.

Os participan­tes foram tratados durante seis semanas com remédios que reduzem o risco de ataques cardíacos, além de uma estatina e de um remédio para pressão, bem como medicament­os que aliviam as dores no peito ao desacelera­r o coração ou abrir vasos sanguíneos.

Em seguida, os pacientes passaram por um procedimen­to cirúrgico, real ou simulado, de inserção de stent. Esse é um dos poucos estudos de cardiologi­a no qual um procedimen­to simulado foi usado em pacientes do grupo de controle, para posterior comparação com pacientes que receberam o tratamento real.

Os stents fizeram o que era esperado deles, nos pacientes que os receberam. O fluxo de sangue pela artéria até então bloqueada melhorou considerav­elmente. Quando os pesquisado­res testaram os pacientes seis semanas mais tarde, os dois grupos declararam sentir menos dores no peito, e se saíram melhor nos testes ergométric­os do que antes do procedimen­to.

Os pesquisado­res constatara­m ainda que não existia diferença real entre os grupos. Os que passaram pelo procedimen­to simulado se saíram tão bem quando aqueles que receberam stents.

Cardiologi­stas dizem que um dos motivos pode ser que a ateroscler­ose afeta muitos vasos sanguíneos, e aplicar um stent ao maior dos bloqueios pode não fazer grande diferença quanto ao desconfort­o sentido pelo paciente. As pessoas que reportaram que se sentiam melhor podem estar apenas desfrutand­o do efeito placebo do procedimen­to. PAULO MIGLIACCI

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GJLP/CNRI Exame mostra stent aberto e desobstrui­ndo vaso sanguíneo

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