O ASSUNTO É Uma alternativa para a bacia do rio Doce
Ainda não é factível estimar a extensão dos danos nem contrapor a indignação dos atingidos. Há muito a fazer. Mas muito sendo realizado
O dia 5 de novembro de 2015 está marcado pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG). Considerado um dos maiores desastres ambientais do mundo, é também um drama social de escala impensável. É impossível imaginar o impacto na vida da população afetada. Passados dois anos, ainda não é factível estimar com segurança a extensão dos danos. E, principalmente, não há como contrapor a indignação das comunidades atingidas. Há muito a ser feito. Mas também muito sendo realizado.
A criação de uma entidade autônoma, a Fundação Renova, estruturada há pouco mais de um ano para executar ações de reparação e compensação, foi a alternativa escolhida por um grupo de organizações signatárias de um Termo de Ajustamento de Conduta. A judicialização do caso foi evitada, mitigando o risco de ações de recuperação serem postergadas sabe-se lá por quanto tempo.
A Fundação Renova é dependente de um sistema de administração que reúne dezenas de entidades, centenas de profissionais e é responsável por orientar e monitorar suas atividades. Conta com representantes da União, Estados e municípios, além do Comitê de Bacia do Rio Doce e órgãos de proteção das comunidades.
Todos estão agrupados numa instituição chamada Comitê Interfederativo —composto por Câmaras Técnicas, com diversas especializações—, que tem se reunido mensalmente desde sua implementação. O sistema conta com ouvidoria, auditorias técnico-financeiras, assistência técnica às comunidades e procedimentos de arbitragem para divergências.
Por fim, é acompanhado de forma independente nas atividades técnico-científicas por uma das principais organizações ambientais do mundo, a IUCN (União Internacional para a Conservação da Natureza). O modelo está funcionando, o que é surpreendente para muitos.
Em nenhum momento algo com essa dimensão foi desenvolvido para cuidar de um desastre no Brasil. Tem suas falhas, sim, e requer aprimoramento contínuo. Infelizmente, a história tem mostrado que situações com essa gravidade têm sido objeto de ações emergenciais, sem governança, em que os recursos acabam sendo mal utilizados.
Este sistema depende da construção de relações de confiança, mas parte de um passivo imenso nesse relacionamento. A tragédia ainda está presente em muitas situações. Mesmo assim, há forte engajamento de pessoas e comunidades atingidas com o desenho e implementação de programas.
A lama que restou na barragem está estabilizada. Os terrenos para as vilas foram adquiridos, os preparativos para as obras estão prontos, e o prazo de entrega está mantido. As indenizações estão em curso, movimentando centenas de milhões de reais. Um sistema de monitoramento da qualidade da água faz do rio Doce hoje o mais monitorado do país. Estações de tratamento de água e captações foram reformadas, assegurando água potável em toda a extensão do rio. Fundos para retomada das atividades econômicas foram lançados.
É preciso conciliar ações urgentes com iniciativas de longo prazo orientadas para um rio Doce mais equilibrado. Uma transformação cuja legitimidade depende da garantia de que a sociedade —representada pelas comunidades, academia, ONGs, empresas e órgãos públicos— terá um papel central na indicação de diretrizes e no monitoramento das medidas executadas.
Ainda surgem dúvidas e críticas sobre o modelo de governança escolhido. Faz parte do contexto democrático desse sistema conviver com isso. O modelo deve tirar o melhor das ambiguidades e dilemas com que se depara. Parte do princípio de que não há soluções prontas para a maioria dos desafios que enfrenta. Necessita conviver com as críticas de que ainda não tem as respostas para muitas situações. Vai cometer erros e ser duramente censurado por isso. Não sobrevive se não for transparente.
Essa empreitada depende, acima de tudo, do empenho de profissionais e instituições com excelência técnica, comprometimento com a causa, abertura permanente ao diálogo e fortíssima resiliência. Sem a menor dúvida, é o caso das centenas de pessoas que estão envolvidas com a construção desse esforço inédito. ROBERTO WAACK
Após a solicitação de acúmulo de salários públicos, o que elevaria sua renda mensal a mais de R$ 60 mil, e considerando que a postulante, senhora Luislinda Valois, mora num dos países mais desiguais do planeta, nada mais adequado do que nomeá-la para chefiar um imaginário Ministério dos Direitos Desumanos (“Ministra desiste de pedir salário de R$ 61 mil”, “Poder”, 3/11).
PAULO ROBERTO GOTAÇ
Na coluna “A caminho do desastre” (31/10), de Nabil Bonduki, há uma afirmação de que a agricultura, produção de grãos, está muito distante de ser de baixo carbono. Será? Uma mata nativa com 40 milhões de anos produz em média 200 toneladas de biomassa por hectare. Uma lavoura de milho produz ( 13 ton/ ha/ano de grãos ) em 11 anos, cerca de 143 toneladas de grãos por hectare, mais 198 toneladas de palha, biomassa ( 18 ton/ ha/ano) na mesma área. Ou seja, em 11 anos, uma lavoura de milho produz só de fitomassa (sem considerar o grão ) o que a mata nativa demorou 40 milhões de anos. Se produziu mais biomassa, significa que consumiu mais CO². Os grãos e o oxigênio adicionais produzidos no processo ficam de sobremesa.
JOAQUIM WESTIN LEMOS
Colunista