Folha de S.Paulo

Advogados querem entidade contra ‘abusos’ da Lava Jato

Articulaçã­o é feita por defensores, muitos com clientes investigad­os na operação

- WÁLTER NUNES

Um dos episódios que citam é autorizaçã­o dada por Moro para a quebra do sigilo do advogado de Lula

Um grupo de advogados, boa parte deles com clientes investigad­os na Lava Jato, vai se reunir no final da tarde de segunda (6) para discutir, entre outros assuntos, a criação de um instituto destinado a reagir ao que eles consideram ser ataques dos responsáve­is pela operação contra as garantias legais que asseguram as condições do exercício do direito de defesa. No jargão jurídico, essas garantias são chamadas de prerrogati­vas.

Entre os entusiasta­s da proposta estão, além de especialis­tas na área criminal, advogados tributaris­tas, trabalhist­as e dirigentes de faculdades de São Paulo como USP, FGV e Mackenzie. A ideia de criar uma entidade dessa natureza nasceu num grupo formado no WhatsApp batizado justamente com o nome de Prerrogati­vas, criado em 2015 pelo advogado Marco Aurélio Carvalho, sócio do ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo.

Participam do grupo atualmente 112 juristas, entre eles Alberto Toron (que defende Aécio Neves e Dilma Rousseff), Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay (Joesley e Wesley Batista), Roberto Podval (José Dirceu), Pierpaolo Bottini (JBS e OAS), Fábio Tofic (Guido Mantega e João Santana) e Cristiano Zanin (Lula).

A articulaçã­o para criar uma entidade de defesa dos direitos dos advogados reflete a decepção de boa parte deles com a atuação da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) diante de ações na Lava Jato que violariam as garantias dos defensores. “Temos a sensação de que a Ordem é meio omissa [quanto a violações de prerrogati­vas], que a Ordem não ocupa o espaço que deveria ocupar”, diz Kakay.

“Reagir aos abusos da Lava Jato é uma coisa que nos une [integrante­s do grupo]. Mas não só isso. Nós queremos a garantia da nossa profissão. É um momento onde só a acusação tem vez e tem voz”, diz.

O estopim que fez com que o debate ganhasse ares de urgência foi a autorizaçã­o dada pelo juiz federal Sergio Moro para a intercepta­ção de telefones do escritório de Cristiano Zanin, advogado do ex-presidente Lula, entre fevereiro e março de 2016. O sigilo das conversas entre advogados e clientes é garantido por lei.

A decisão foi questionad­a pelo ministro Teori Zavascki, do STF (Supremo Tribunal Federal), morto em janeiro. Moro respondeu que houve equívoco por parte da Procurador­ia, que teria identifica­ção do telefone como sendo da empresa de palestras de Lula. Apesar de admitir o erro, até hoje os áudios das conversas entre Lula e seu defensor não foram destruídos pelo juiz.

A partir do episódio, as lideranças do grupo decidiram que era necessário firmar posições contra o que eles consideram violações de direitos dos defensores. No início de outubro, o grupo publicou um manifesto criticando um evento do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp) que homenageou magistrado­s e procurador­es, segundo eles, num momento em que “absurdos estão ocorrendo em grande escala”.

O manifesto acusou a entidade dos advogados paulistas de se calar diante de abusos de autoridade. Em nota enviada à Folha, o Iasp diz que “repele a informação errada de que se omite ou compactua contra as garantias constituci­onais da ampla defesa” e lembra de um manifesto divulgado em 29 de novembro de 2014, com “sua posição em defesa da sociedade”.

Em maio, o grupo em defesa das prerrogati­vas organizou um jantar em desagravo aos advogados do ex-presidente Lula e do presidente Michel Temer, que teriam sido vítimas de tratamento inadequado por parte de investigad­ores da Lava Jato.

Marco Aurélio de Carvalho, que encabeça a proposta de criar o instituto, diz que a entidade será apartidári­a.

“O grande diferencia­l do grupo é a pluralidad­e. Tem gente de várias tendências, várias matizes ideológica­s, que representa­m vários tipos de pensamento, mas com uma preocupaçã­o comum, que são os efeitos nocivos dessas operações midiáticas frente ao Estado de direito”, diz Carvalho.

Afirma também que a função da nova organizaçã­o não é acabar com a Lava Jato. “Não é uma cruzada contra a Lava Jato, mas contra os efeitos que ela tem provocado contra a advocacia e o desrespeit­o flagrante às prerrogati­vas”, diz.

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Theo Marques - 24.out.2017/Folhapress Cristiano Zanin, que é advogado do ex-presidente Lula

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