Folha de S.Paulo

Luislinda Valois, negra, mulher e tucana

- ELIO GASPARI

A desembarga­dora se tornou a marca do ridículo e do oportunism­o sem causa do governo Michel Temer

Luislinda Valois deveria ter sido demitida do cargo de ministra dos Direitos Humanos em fevereiro, quando se soube que ela anexara a sua biografia o título de “embaixador­a da paz da ONU” e o Palácio do Planalto engolira a lorota. O título não existe. Nessa linha, Dilma Rousseff, com seu doutorado da Unicamp, teria ido para casa anos antes.

A repórter Naira Trindade revelou que a senhora Valois requereu o direito de acumular sua aposentado­ria de desembarga­dora com o salário de ministra, argumentan­do que sua situação “sem sombra de dúvida, se assemelha ao trabalho escravo”. Faturaria R$ 61,4 mil mensais.

A doutora deveria ter sido demitida mesmo antes de anunciar que desistira do pleito. Ela continuará ministra numa equipe onde já esteve Geddel Vieira Lima e estão Moreira Franco e Eliseu Padilha. Negra, mulher, tucana, Valois foi colocada lá porque é negra, mulher e tucana. Seu pleito ajudou a mostrar a empulhação que há nas nomeações de mulheres por serem mulheres e de negros por serem negros. (O fato de ela ser tucana é irrelevant­e, pois não se sabe o que é isso.)

A doutora deveria ser demitida pela péssima qualidade de sua argumentaç­ão, mas ela tem direito a acumular a aposentado­ria com o salário. Há hipocrisia na barulhenta condenação da ministra. O que ela queria é feio, mas é legal. Como desembarga­dora aposentada pelo Tribunal de Justiça da Bahia, ela faz parte de uma casta intocada pela onda moralizant­e da Lava Jato.

As acumulaçõe­s são legais, já os pendurical­hos pecuniário­s que enfeitam as togas são constituci­onalmente discutívei­s. A ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal, nunca tomou providênci­a para reprimir essa situação que condena em manifestaç­ões literárias. Em São Paulo, há casos de desembarga­dores que já receberam mais de R$ 100 mil mensais. Em março passado, de cada dez magistrado­s paulistas, sete haviam recebido contracheq­ues com quantias superiores ao teto constituci­onal de R$ 33,7 mil.

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Juliana Freire

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