Folha de S.Paulo

Maconha legal traz reveses à Califórnia

Condados no ‘Triângulo Esmeralda’, norte do Estado, concentram mais de 80% da produção de cannabis dos EUA

- FERNANDA EZABELLA Fonte: Condado de Humboldt

Legalizado para fins medicinais no Estado, cultivo da erva traz recursos a cidades, mas gera medo da violência

Num casarão no extremo norte da Califórnia, o empresário Rob Schultz chega do trabalho e acende um bong de vidro com água para fumar maconha. Seu cachorro sem uma perna, Bud, circula pela sala de carpete, decorada com pinturas psicodélic­as.

Num canto, uma máquina de contar dinheiro divide espaço com alguns sacos de planta seca. Na cozinha, cinco jovens trabalham em cima de longos galhos.

Schultz trabalha há mais de 25 anos com cannabis, primeiro como traficante e hoje como fazendeiro legalizado na região apelidada de Triângulo Esmeralda, responsáve­l por mais de 80% da produção da droga nos EUA.

O apelido veio de agentes federais que faziam apreensões na área nos anos 80, numa referência ao Triângulo de Ouro do ópio na Ásia.

“Nós abraçamos o nome que eles nos deram, virou uma marca”, comenta Schultz, que começou a plantar faz 17 anos, primeiro “indoor” e depois a céu aberto, sete anos atrás. “Humboldt também deveria fazer o mesmo e nos abraçar, nos aceitar. Ter orgulho.”

O nome do condado vem de um explorador alemão do século 19, mas desde os anos 1970 virou sinônimo de cannabis de alta qualidade devido a experiment­os como o uso da planta feminina para obter resultados melhores, hoje padrão na indústria. Logo, empregos nas plantações foram substituin­do vagas na pesca e madeireira­s.

Desde o final dos anos 90, com a legalizaçã­o da maconha medicinal na Califórnia, uma nova onda de migrantes chegou para plantar de forma semilegali­zada, muitas vezes “indoor” para despistar os helicópter­os da polícia.

Com tanta fama, a planta passou a ser o “elefante verde” na sala de estar, como explica o sociólogo Josh Meisel, da Humboldt State University, na cidade de Arcata.

“A comunidade e a universida­de sempre trataram a maconha de maneira ambivalen- Formado pelos condados de Humboldt, Mendocino e Trinity, no extremo norte da Califórnia 26,6 mil km2 236 mil habitantes Eureka, em Humboldt, com 50 mil moradores investigaç­ões te. Por um lado, ela traz dinheiro e recursos à cidade, além de ter ajudado no nascimento e sustentaçã­o de organizaçõ­es ambientais, mas por outro lado há muito ressentime­nto e medo de violência e estragos ambientais.”

Em 2012, Meisel ajudou a fundar um dos primeiros institutos universitá­rios do país para pesquisa de maconha em diferentes disciplina­s. Pesquisa de 2014 apontava que 1 em cada 5 estudantes trabalhava na indústria.

O instituto não dá aulas de cultivo, nem faz pesquisas científica­s com a planta, proibida de entrar na universida­de. Sem poder usar verba da indústria, já que a droga segue ilegal no âmbito federal, recebe verba do Departamen­to de Saúde Pública do Estado.

Pelo centrinho de Arcata e ruas adjacentes, há poucos sinais de que estamos no maior centro da produção de cannabis dos Estados Unidos.

Há jovens fumando na praça, uma loja de roupas de cânhamo e cartões-postais curiosos. As duas únicas lojas que vendem cannabis para pacientes cadastrado­s ficam fora do centro. No total, o condado só tem quatro lojas. MERCADO NEGRO Schultz, dono da On Point Farms, foi um dos que se mudaram para Humboldt pós-legalizaçã­o. Entre uma baforada e outra, ele conta que sem- pre foi contra as drogas porque sua mãe fumava escondida no quarto de casa. Já ele experiment­ou aos 18 anos, quando lavava pratos num hotel do parque Yellowston­e.

“Depois de mais velho, mudei de ideia. Tenho uma doença nos calcanhare­s que me dá dores extremas. E a única coisa que ajuda a aliviar é a maconha”, conta.

Formado numa escola de culinária do Arizona, o americano de 45 anos começou a vender a droga quando trabalhava em restaurant­es em Portland, no Oregon, até perceber que ganhava mais com a atividade ilícita.

Em 2000, foi para Humboldt investir na planta. “Vim para cá especifica­mente paos ra plantar maconha. Queiram admitir ou não, eles [condado] fecham os olhos para o que fazemos aqui”, diz Schultz, que no pico dos preços, antes da crise global de 2008, chegou a fechar negócios de US$ 750 mil.

Hoje, com muito mais gente produzindo, até quem está na legalidade precisa do mercado negro para se livrar do excedente. A diferença está na papelada.

“No mercado legal, vem um cara de uma loja, te dá uns papéis para preencher e compra sua maconha com dinheiro”, explica. “No mercado negro, vem um cara comprar sua maconha com dinheiro. Se vai ficar na Califórnia, você não sabeenemqu­ersaber.”

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Fotos: Divulgação Plantas de maconha na fazenda On Point, no condado de Humboldt, no norte da Califórnia; região responde por mais de 80% da produção nos EUA
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Detalhe de planta de maconha da fazenda de Schultz

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