Folha de S.Paulo

Muito voto, pouca democracia

- CLÓVIS ROSSI

NOS 12 meses a partir deste novembro, haverá uma chuva de eleições na América Latina: cerca de dois de cada três eleitores serão convocados às urnas.

Eleições presidenci­ais ocorrerão em todos os principais países da região, com exceção da Argentina: Chile, já em novembro, Colômbia, México, Brasil e Venezuela (se a ditadura não modificar a data como tem feito regularmen­te). O Paraguai também trocará de presidente.

Não deixa de ser uma demonstraç­ão da vitalidade da democracia no subcontine­nte. Afinal, não faz tanto tempo assim (anos 70 e 80 do século passado), o mapa regional estava manchado por um punhado de ditaduras. O Brasil, por exemplo, ficou sem voto para presidente de 1960 a 1989.

Pena que essa aparente vitalidade esteja sendo assombrada por uma desconfian­ça, talvez inédita, no funcioname­nto da democracia.

É bom deixar claro que não há descrença majoritári­a na democracia como modelo; o que há é insatisfaç­ão com a maneira como o modelo está funcionand­o.

Essa distinção já aparecia claramente na pesquisa com 18 países latino-americanos feita pelo “Latinobaró­metro” que esta Folha resumiu na semana passada. Reaparece agora em pesquisa divulgada no dia 30 pelo badalado Pew Research Center.

Esta última cobre 38 países, não apenas da América Latina. Em todos eles, mais da metade dos pesquisado­s diz que a democracia é boa ou muito boa para conduzir o país. No Brasil, por exemplo, 59% concordam com essa afirmação.

O problema é que a democracia representa­tiva está perdendo terreno para outro modelo, a democracia direta.

O Pew descreve democracia direta como “sistema democrátic­o em que os cidadãos, não funcionári­os eleitos, votam diretament­e nos grandes temas nacionais para decidir o que vira lei”.

Em três dos sete países latinoamer­icanos que o Pew pesquisou, a democracia direta ganha da democracia representa­tiva e ainda empata em um quarto (Peru, com 58% para cada um dos dois sistemas). No Chile, deu 65% para a democracia direta contra 58% para a representa­tiva; na Colômbia, 63% a 58%; e, no México, 62% a 58%.

No Brasil, o velho modelo de democracia representa­tiva ainda ganha (59% a 52%).

Em todos os sete países, avança igualmente um terceiro sistema, no qual “especialis­tas, não funcionári­os eleitos, tomam decisões de acordo com o que acham que é melhor para o país”.

Este último sistema me parece pouco democrátic­o, mas os resultados obtidos pelos modelos alternativ­os ao da democracia representa­tiva demonstram, muito claramente, o disseminad­o desprestíg­io dos políticos.

É nesse cenário de mau funcioname­nto da democracia e de desprestíg­io dos políticos que se dará a chuva eleitoral dos próximos 12 meses. Qual será a consequênc­ia?

Arriscam Robert Muggah (Instituto Igarapé) e Brian Winter, editorchef­e de “Americas Quarterly”: “Há um risco real de uma virada populista dura para a direita e para a esquerda que poderia alterar radicalmen­te as políticas de segurança e de comércio, a economia e as relações da America Latina com o mundo, incluindo os Estados Unidos”.

Emoções fortes à frente, portanto.

Na América Latina, Brasil inclusive, 2/3 irão às urnas em 12 meses, em cenário de desconfian­ça com o sistema

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