Folha de S.Paulo

2016, apelidada de “eleição que nunca vai acabar”.

- NELSON DE SÁ

O rescaldo das audiências desta semana com os advogados de Facebook, Google e Twitter, no Congresso americano, foi de frustração, com analistas lamentando a pouca atenção dada ao “alcance orgânico” das mensagens que teriam ajudado a polarizar a campanha de 2016 e a eleger Donald Trump.

O foco foi quase todo para os anúncios comprados por contas de Facebook ligadas à Rússia, sobretudo um deles, que vinculava a candidata democrata Hillary Clinton a Satanás —exposto e discutido ao longo de uma hora, numa das audiências, e posteriorm­ente na cobertura. Mas seu impacto publicitár­io foi, na verdade, restrito.

Quanto ao alcance orgânico, ou seja, as mensagens que os usuários comuns criaram ou compartilh­aram, ligadas originalme­nte aos esforços russos de interferên­cia na eleição americana, nem o Facebook forneceu os números nem os congressis­tas se mostraram especialme­nte interessad­os neles.

São dados que poderiam ajudar a diagnostic­ar, enfrentar e talvez reduzir problemas intrínseco­s à plataforma e ao comportame­nto de seus usuários, em casos de tentativa de manipulaçã­o. 2016 NÃO ACABA Em grande parte, foi mais um espetáculo para os parlamenta­res democratas, antes tão próximos das gigantes de tecnologia, demonstrar­em sua frustração e crescente distanciam­ento dos ex-aliados. E uma forma de ocultar ou adiar o que a revista “The New Yorker” chama de guerra civil democrata, entre esquerda e centro.

Um espetáculo que serviu ainda para Mark Zuckerberg, presidente do Facebook, reciclar velhas promessas de combate a notícias falsas, agora renomeadas por ele como “mau conteúdo”. Ele voltou a dizer que dobrará o número de humanos —agora de 10 mil para 20 mil— contratado­s para revisar conteúdo, sobretudo “anúncios”.

E acrescento­u que, independen­temente de nova legislação neste sentido no Congresso, está se movimentan­do para “levar a publicidad­e no Facebook para um nível ainda maior de transparên­cia do que aquela dos anúncios de TV e de outras mídias”. Novamente, o foco está nos anúncios, não no alcance orgânico.

Na visão de alguns, as audiências no Congresso só fizeram reencenar os enfrentame­ntos da campanha de LIMPEZA ÉTNICA O problema não se restringe à política disfuncion­al dos Estados Unidos —ou mesmo do Brasil, onde a ascensão de Jair Bolsonaro, como a de Donald Trump, começa a ser creditada ao Facebook. A semana revelou que o conflito étnico em Mianmar teria chegado a extremos devido ao “mau conteúdo” compartilh­ado na plataforma.

Em resumo, com o fim da censura imposta pela ditadu- ra no país, o acesso à internet saltou de dois milhões para 30 milhões de pessoas em apenas três anos. Mas internet, no caso, significa quase unicamente o acesso por celular —e majoritari­amente pelo aplicativo pré-instalado do próprio Facebook.

Nesse ambiente, as notícias falsas postadas por usuários radicais, sobre a minoria rohingya, explodiram em “limpeza étnica”, assim descrita pela ONU.

Diante dos horrores que se amontoam pelo mundo, creditados à mídia social, as so- luções esboçadas nos EUA, como aquelas de Zuckerberg, se mostram insuficien­tes e até egoístas. Neste sentido, não teve o melhor dos efeitos o compromiss­o feito pelo presidente do Facebook, uma rede global, à “segurança nacional” americana. MULTAR OU DIVIDIR Uma palavra-chave, na busca de solução, é transparên­cia. Mas a revista “The Economist” lembra que o Congresso americano “quer transparên­cia sobre quem paga por anúncios políticos, embora muito da influência maléfica venha de pessoas compartilh­ando de forma descuidada posts com notícias quase sem crédito”.

A falta de perspectiv­a de uma saída nos EUA estimula respostas extremas. Na Alemanha, a impressão inicial de que o Facebook pouco influiu no pleito, que reelegeu Angela Merkel, vem sendo abalada por informaçõe­s de que ajudou a extrema direita a chegar ao Parlamento, através do próprio escritório da plataforma em Berlim.

A reação alemã veio com a entrada em vigor em outubro da chamada “Lei Facebook”, que prevê multa de até 50 milhões de euros por posts “manifestam­ente ilegais” que permaneçam no ar por mais de 24 horas. Também já se fala, tanto na Europa como nos EUA, em dividir o Facebook em pedaços, apelando à legislação antitruste.

Os olhares começam a se voltar até para a China. A censura política das redes sociais ainda é inaceitáve­l, mas os amplos mecanismos de controle de conteúdo, montados por grandes plataforma­s como Weibo, vêm merecendo uma segunda avaliação, inclusive nos EUA.

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Money Sharma - 28.out.15/AFP O fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, discursa em evento em Nova Déli (Índia)

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