Folha de S.Paulo

É preciso educação e deba-

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Folha - Há quem pense que existe um contexto nos EUA e na Europa que permita o ressurgime­nto de algo similar ao nazismo. Está de acordo?

Ágnes Heller - As coisas não podem se repetir de forma concreta, mas sim em sua essência. Erram os historiado­res que pensam que se aprende algo com a história e não se volta a errar. A única coisa que se aprende com a história é que nunca se aprende nada com ela. Embora um contexto possa apontar uma tendência, são decisões políticas que realmente dão direção ou rompem tendências. O futuro está sempre aberto.

Quando me perguntam o que vai acontecer à União Europeia ou ao mundo, minha capacidade de responder tem uma limitação, que é marcada pela ação dos atores políticos. Por exemplo?

O ‘brexit’. É um evento histórico baseado na estupidez de um indivíduo. Se David Cameron não propusesse o plebiscito, não estaríamos incluindo o ‘brexit’ numa cadeia de acontecime­ntos que parece apontar para uma onda reacionári­a. Eu classifica­ria o ‘brexit’ como um acidente. O ‘brexit’, a eleição de Trump e o ressurgime­nto dos nacionalis­mos europeus fazem parte de uma tendência?

Não acho fácil conectar essas coisas. Porque a Europa é uma parte diferente do mundo e, principalm­ente, diferente dosEUA.NosEUA,háumsistem­a de pesos e contrapeso­s e há uma tradição democrátic­a. Na Europa, a tradição de- mocrática é de pouco alcance e apenas em certos lugares.

A Europa ainda é regida pela lógica dos Estados-nação, onde a religião é o nacionalis­mo. Todos os países europeus, exceto a Suíça, têm no nacionalis­mo sua principal identidade. Se você perguntar a um europeu quem ele é, ele não vai dizer que é europeu, nem mesmo que é humano, mas sim responderá que é francês, alemão ou húngaro.

Até o século 18, a religião era a identidade básica. A partir do 19, o nacionalis­mo foi se impondo de forma cada vez mais intensa. Isso trava a formação de uma tradição democrátic­a, de um sistema de pesos e contrapeso­s, como nos EUA. O que se pode fazer, então, para evitar casos como o da crise da Catalunha? te para saber como lidar com o nacionalis­mo, porque ele não vai acabar. É a essência da cultura europeia. O desafio é domá-lo.

Se você é orgulhoso de seu país por conta do futebol, ou de um compatriot­a que ganha o prêmio Nobel, está bem. Mas se esse orgulho gera ódio com relação a outros, então pode virar algo perigoso. Aí são necessária­s a atuação do Estado, por meio de políticas públicas de educação, e da própria sociedade, para que seja consciente sobre o modo como administra esse sentimento.

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