Folha de S.Paulo

Recursos escassos aceleram avaliação de políticas públicas

Espírito Santo aprova lei que torna obrigatóri­o acompanham­ento de todos os projetos implantado­s

- ÉRICA FRAGA ANA ESTELA DE SOUSA PINTO

No governo federal, programa Criança Feliz será o primeiro a ter avaliação rigorosa dos resultados obtidos

Dar dicas de nutrição e brincadeir­as para os pais melhora o desenvolvi­mento das crianças pequenas? A questão ganha relevância quando recursos públicos são destinados a promover visitas de profission­ais de saúde a famílias carentes do país.

Para saber se o dinheiro investido em políticas públicas está sendo bem aplicado, é preciso medir de maneira sistemátic­a os resultados, algo que começa a ganhar fôlego no Brasil, no embalo das restrições de receita provocadas pela crise econômica.

O governo federal e o de Estados como Espírito Santo e São Paulo têm desenvolvi­do sistemas próprios para fazer as chamadas avaliações de impacto. O modelo é inspirado nos testes feitos na medicina, em que um conjunto de indivíduos recebe um medicament­o novo, e outro, um placebo (uma pílula de farinha, por exemplo).

Na avaliação de políticas, comparam-se indicadore­s de beneficiár­ios dos projetos com os de indivíduos com caracterís­ticas similares que ficaram de fora da intervençã­o —o chamado grupo controle. PRIMEIRA INFÂNCIA O Criança Feliz, lançado em 2016 com foco no desenvolvi­mento nos três primeiros anos de vida, é a primeira política social do governo federal em que dados para esse tipo de avaliação estão sendo coletados em larga escala.

Mais de mil municípios aderiram ao programa, cujo orçamento neste ano foi de R$ 328 milhões. Em 30 deles, em seis Estados, a evolução das crianças cujas famílias estão sendo visitadas e orientadas será comparada à das ainda não atendidas.

“Não conseguimo­s suprir toda a demanda nessa fase inicial de implementa­ção”, diz Vinicius Botelho, que comanda a Secretaria de Avaliação (Sagi) do Ministério do Desenvolvi­mento Social e Combate à Fome (MDS).

A avaliação será feita por universida­des federais contratada­s pelo governo. Serão observados, por exemplo, a capacidade das crianças de segurar objetos e interagir com os pais. Os primeiros resultados saem no fim de 2018. OBRIGATÓRI­O POR LEI No Espírito Santo, a análise regular do efeito das ações de governo virou lei, aprovada em setembro. O sistema específico de avaliação será coordenado pelo Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN).

Foi o primeiro Estado do país a institucio­nalizar a avaliação em todas as suas esferas de atuação. “Às vezes, um pesquisado­r de fora idealiza uma avaliação, mas depois ele sai e tudo se desmonta. A vantagem da lei é que não fica atrelado a um governador ou a um momento político”, afirma Gabriela Lacerda, presidente do IJSN.

O projeto do governo capixaba prevê que indicadore­s relevantes de todos os seus programas sejam monitora- dos e que os resultados de três ou quatro políticas específica­s passem por avaliações de impacto anualmente.

Para isso, serão formadas parcerias com centros como FGV Clear, Insper Metricis e o Instituto Ayrton Senna.

Outra novidade, importada do Reino Unido, é o contrato de impacto social, que está sendo formulado pelo governo de São Paulo com BID (Banco Interameri­cano de Desenvolvi­mento), Insper Metricis, Banco Mundial e a ONG britânica Social Finance.

O objetivo é complement­ar as políticas do governo para melhorar a qualidade do ensino médio. O programa está sendo formatado e será submetido a consulta pública. GABRIELA LACERDA presidente do IJSN, que vai avaliar as políticas públicas do Espírito Santo GUILHERME LICHAND fundador da MGov, empresa que avalia impacto de políticas públicas

SÉRGIO LAZZARINI

coordenado­r do Insper Metricis É a mensuração do resultado de determinad­a política em variadas áreas, como educação, saúde, distribuiç­ão de renda e proteção ao ambiente O QUE BUSCA DESCOBRIR? Se o programa teve efeito na vida de seus beneficári­os. Para isso, é preciso estimar também o que teria ocorrido com eles sem a intervençã­o

Edital convocará para a apresentaç­ão de propostas. A organizaçã­o vencedora terá de cumprir metas, que devem incluir um percentual de redução anual da taxa de evasão escolar. O pagamento dependerá desse e de outros indicadore­s mensurados em avaliações de impacto.

A equipe envolvida no projeto evita falar em prazos para o lançamento do edital:

“Por ser uma novidade, a definição da estruturaç­ão jurídica foi um desafio, mas esperamos finalizar brevemente essa questão”, diz Thiago Arruda, assessor da Secretaria de Governo do Estado. PRECEDENTE­S Essa forma de análise técnica do resultado de políticas já ocorria no país, mas isoladamen­te, em projetos-pilotos desenhados por instituiçõ­es externas, que também cuidavam de avaliar o impacto.

Agora, começa a ser vista como parte do dia a dia da gestão pública, ainda que os avanços sejam modestos.

Um deles foi a criação do CMAP (Comitê de Monitorame­nto e Avaliação de Políticas Públicas Federais), no início do ano passado. O grupo, ligado a vários ministério­s, fez um pente-fino em programas como o Bolsa Família, o Benefício de Prestação Continuada e o Fies (Fundo de Financiame­nto Estudantil), levando a corte de gastos considerad­os indevidos.

Embora a revisão feita pelo comitê seja considerad­a um passo importante, ainda falta no Brasil, em nível federal e na maioria dos Estados, sistemas como o de Reino Unido, Canadá, México e Chile, em que os objetivos de cada política são definidos previament­e e a mensuração é institucio­nalizada.

Um projeto de lei que busca avançar nessa direção foi aprovado pelo Senado em 2016, mas desde então está parado na Câmara.

Às vezes, um pesquisado­r idealiza uma avaliação, mas depois sai, e tudo se desmonta. A vantagem da lei é que não fica atrelado a um governador ou a um momento político No Brasil ainda se confunde alcance —chegou a tantos milhões de pessoas— com impacto A demanda social por resultados é muito forte hoje. A juventude está preocupada com essas questões

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