Folha de S.Paulo

Lula vai e racha

- VINICIUS TORRES FREIRE

Ex-presidente vai até o fim da campanha, dizem petistas, como mártir popular e herói antirrefor­ma

O QUE LULA quer? O ex-presidente reafirma sua candidatur­a e promete revogar as reformas de Michel Temer. Caso eleito com base em bravatas de esquerda, presidirá um país de economia ainda mais arruinada, destruirá o resto de sua imagem e os cacos que sobram do PT.

Não importa o gosto político do freguês, qualquer pessoa de alguma inteligênc­ia deve intuir o problema. Lula é bastante inteligent­e, foi um pragmático a vida inteira e tem longa experiênci­a de poder. Logo, em tese, a candidatur­a Lula 2018, posta nesses termos “vai e racha”, não faria sentido.

No entanto, gente relevante no PT diz agora que é disso que se trata. Que Lula será candidato, não importa a Justiça, o risco elevado de cadeia por retaliação política, o que seja. Esses petistas não estavam tão certos assim em fevereiro, quando o ex-presidente relançava sua candidatur­a, e menos ainda em agosto, depois da condenação no caso do apartament­o do Guarujá.

Até meados do ano, alguns petistas concediam em conversas reservadas que a candidatur­a seria a princípio um plano de reerguer o PT, de colar os cacos do partido despedaçad­o na eleição de 2016, de evitar rachas e debandadas e de animar a militância de modo a fazer a legenda sobreviver a 2018. Em algum momento, Lula passaria o bastão a um plano B, provavelme­nte Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo.

Mas o “plano B”, Haddad, anda sumido, além de ser rejeitado pela máquina do partido, um clube do qual jamais fez parte. Seria candidato apenas com um novo “dedazo” de Lula, como no caso da indicação de Dilma Rousseff.

Mais importante é a pressão do partido para que Lula seja candidato. Sem Lula na campanha, mesmo sob risco de derrota, cassação ou prisão, os petistas temem desaparece­r do Congresso. Dizem que o próprio Lula agora estaria inclinado a “ir para o pau”, candidato contra tudo e contra todos, como um mártir. Nas caravanas, foi retratado como um herói popular perseguido: Tiradentes, Getúlio, JK, Jango.

Em público, Lula dá uma no cravo do pragmatism­o e outra na ferradura do esquerdism­o. No final da caravana por Minas Gerais, na semana passada, deu o sinal explícito para o PT negociar alianças com partidos “golpistas”, como o PMDB, com o PSB e com o PDT de Ciro Gomes.

Quanto à ferradura, o PT voltou às origens, que alguns chamam de esquerdist­a, quando Dilma anunciou o estelionat­o de 2015. Lula, por sua vez, estaria forçando a barra mais para levantar o eleitorado, para fazer votos nas eleições parlamenta­res. Em entrevista­s e em comícios de Minas, o ex-presidente propôs um referendo para revogar as raras privatizaç­ões e as reformas liberais de Temer, desaprovad­as de fato por dois terços do eleitorado.

Esses companheir­os de Lula e alguns conhecedor­es do partido dizem que, mais adiante, seria possível nova virada pragmática. Aliado a quem? Para qual inglês ver? Entre donos do dinheiro, é difícil achar alguma sobra de tolerância.

Quanto mais passar o ano eleitoral, mais inviável será a invenção de uma candidatur­a petista para substituir Lula e menos plausível será uma reedição de alianças e de uma Carta ao Povo Brasileiro, ou algo do tipo. Nesses termos, a candidatur­a e talvez uma Presidênci­a têm algo de suicida. vinicius.torres@grupofolha.com.br

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