Folha de S.Paulo

Mudanças no Refis deixam buraco de R$ 4 bi no Orçamento de 2018

Equipe econômica terá de buscar receita adicional para compensar concessões extras em programa

- 20% da dívida

Procurador­a da Fazenda Nacional afirma que renúncia fiscal pode até invalidar plano de refinancia­mento

O aceno do governo para o empresaria­do com condições mais favoráveis no Refis, programa de refinancia­mento de dívidas com o fisco, obrigou a equipe econômica a buscar R$ 4 bilhões em receitas adicionais para cobrir um buraco no Orçamento do próximo ano.

Pela LRF (Lei de Responsabi­lidade Fiscal), essa renúncia fiscal com concessões extras feitas pelo governo no refinancia­mento precisa ser compensada, mas, de acordo com os técnicos que acompanhar­am as discussões, ainda não está claro na programaçã­o orçamentár­ia de 2018 se a exigência legal será cumprida. Isso pode invalidar o Refis e pôr em xeque as contas do presidente Michel Temer (PMDB).

O Refis foi lançado por medida provisória no início deste ano, mas só foi sancionado em 25 de outubro, depois de muita negociação entre governo e parlamenta­res —boa parte devedores do fisco que buscavam obter mais vantagens.

Na tentativa de atrair mais empresas, que aguardaram até o último momento para se inscrever no programa, o governo editou, na terça-feira (31), outra medida provisória concedendo mais duas semanas de prazo para adesão. Os interessad­os terão até o próximo dia 14 para acertar pendências tributária­s.

Com a negociação de condições melhores para as empresas e a prorrogaçã­o de prazos, técnicos da Fazenda refizeram as contas e chegaram à conclusão de que o programa de refinancia­mento causará frustração de receitas estimada em R$ 4 bilhões em 2018, decorrente da ampliação dos benefícios. O valor é a diferença entre as receitas esperadas com o programa e as perdas com a concessão de vantagens aos endividado­s.

Agora, a equipe econômica precisa apresentar receitas compensató­rias na proposta orçamentár­ia de 2018, como manda a LRF.

Parte dessa renúncia —cerca de R$ 2 bilhões— poderá ser coberta com a venda da Lotex, a raspadinha da Caixa. A concessão desse negócio para a iniciativa privada estava prevista para este ano, mas foi adiada para 2018.

Técnicos explicam ainda Por que as dívidas com tributos crescem tanto CONHEÇA AS MODALIDADE­S DE REFIS Tipo do Refis Sinal* Valor principal Parcelas do sinal que a previsão de renúncias e receitas com o Refis constava do texto original que criou o programa. Como a proposta passou por muitas modificaçõ­es, o trecho que contemplav­a essa previsão foi retirado, o que pode compromete­r o refinancia­mento.

“A responsabi­lidade será do Executivo, do Congresso Nacional? Eu advogo a tese de que, se o Congresso retirar da LOA [Lei Orçamentár­ia Anual de 2018] a previsão das renúncias, os benefícios [do Refis] não poderão ser gozados”, diz Núbia de Castilhos, procurador­a da Fazenda Nacional.

Cabe ao TCU (Tribunal de Contas da União) auditar as contas do presidente Temer e os programas de subsídios e renúncias.

Nos próximos anos, a renúncia com o Refis também será grande —R$ 4,3 bilhões, em 2019, e R$ 2,2 bilhões, em 2020. Mas, com a retomada da economia e da arrecadaçã­o de tributos, o governo acredita que os efeitos dessa renúncia não serão tão dramáticos. Ao longo dos 15 anos de vigência do programa, a União abrirá mão de R$ 35 bilhões, segundo cálculos da equipe econômica.

Boa parte dessa frustração de receita se deve à migração de devedores que parcelaram suas dívidas tributária­s com o fisco por meio de programas anteriores e que agora têm a opção de ingressar no novo Refis.

Como as condições do novo programa são mais vantajosas, milhares de contribuin­tes optaram pela mudança.

Somente com essa troca, a União deixará de arrecadar R$ 9,6 bilhões no ano que vem. Em 2019, esse decréscimo será de R$ 6,3 bilhões e, em 2020, de quase R$ 4 bilhões.

Para a receita, também pesa para a perda de receita a possibilid­ade de utilização, pelas empresas, de créditos tributário­s gerados por prejuízos para o abatimento da dívida. A estimativa é de renúncia de R$ 4 bilhões com esse item no ano que vem. GATILHOS A tramitação do atual Refis levou dez meses —começou em janeiro e terminou em outubro. Duas versões foram editadas via medida provisória.

A primeira era mais conservado­ra em benefícios (como valor de entrada e descontos sobre multas e juros).

A versão que virou lei ampliou um pouco mais as vantagens para adesão. Advogados do setor privado consideram que, ao longo desse período, essas alterações atraíram as empresas para o programa de refinancia­mento.

Na opinião de João Victor Guedes, do L.O. Baptista Advogados, a redução da parcela de entrada de 7,5% para 5% nos débitos de até R$ 15 milhões foi um desses “pontos de virada”.

A decisão sobre esse percentual ocorreu em agosto, mas muitas optaram por esperar pela sanção presidenci­al para ingressar no Refis.

“Para muitas empresas, principalm­ente as menores, isso pode definir ou não a adesão”, disse Guedes. HONORÁRIOS Outro estímulo que surgiu na reta final da tramitação da medida no Congresso, segundo ele, foi a redução de 100% dos encargos e honorários advocatíci­os no caso de dívidas discutidas na Justiça.

O valor é especialme­nte importante no julgamento de empresas que ainda estão questionan­do os débitos na Justiça e podem, eventualme­nte, vencer a disputa com o fisco e não pagar nada.

Ao aderir ao Refis, a empresa tem que abrir mão da ação e reconhecer a dívida para obter os descontos.

“Quanto maior o desconto [em juros e multas], maior é o incentivo para abrir mão dessa disputa, aplicando a lógica do ‘melhor um pássaro na mão do que dois voando’.”

Desde a sanção presidenci­al, no dia 25 de outubro, a procura de interessad­os dobrou no escritório Rivitti e Dias Advogados.

De acordo com Karen Juredini Dias, a versão final do Refis ficou ainda mais atrativa com a possibilid­ade de usar créditos gerados por prejuízos passados.

“É uma oportunida­de única de monetizaçã­o de prejuízos fiscais. Eu recomendei a muitos clientes que aderissem, acredito que um programa com essas condições não deve se repetir”, disse.

Programa pelo qual o governo autoriza o parcelamen­to de dívidas com o fisco, tanto para empresas quanto para pessoas físicas. A adesão ao atual Refis vai até 14 de novembro

O governo lançou a primeira versão do atual Refis em janeiro, com o nome de PRT (Programa de Regulariza­ção Tributária), tendo como objetivo auxiliar empresas a sair da crise

Deputados e empresas afirmaram que as condições não eram adequadas e passaram a negociar alternativ­as com mais vantagens aos devedores. Sem acordo, o PRT venceu em junho com baixa adesão

O governo editou então nova medida provisória, dessa vez com o nome de Pert (Programa Especial de Regulariza­ção Tributária), convertida em lei em 25 de outubro, com várias modificaçõ­es feitas pelo Congresso Nacional A versão do Refis sancionada é mais generosa do que havia proposto o governo. Veja exemplos de condições considerad­as excessivam­ente vantajosas pela Receita Federal:

Permissão para abater a dívida com créditos tributário­s gerados por prejuízo

Autorizaçã­o para que débitos de práticas de crime, como sonegação, fraude ou conluio, também possam usufruir dos descontos e parcelamen­tos

Possibilid­ade de parcelamen­to da dívida por empresas que não repassaram à Receita tributos que ficaram retidos na fonte

O mais recente boletim da arrecadaçã­o federal, com os números até setembro, informa que a Receita recolheu R$ 10,5 bilhões com o PRT e Pert

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