Folha de S.Paulo

A depressão terminou

- SAMUEL PESSÔA COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Nizan Guanaes; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Nelson Barbosa; sábado: Marcos Sawaya Jank;

O CODACE (Comitê de Datação de Ciclos Econômicos) acaba de divulgar relatório estabelece­ndo que o quarto trimestre de 2016 foi o último da recessão que começou no segundo trimestre de 2014. Foram 11 trimestres de crise, com recuo de PIB de 8,6% entre pico e vale.

Houve, desde o início do século 20, cinco episódios de forte queda do PIB per capita: 1) o fim da pax Britânica, com o início da Primeira Guerra, início em 1914; 2) a Grande Depressão, 1929; 3) a crise da dívida externa, 1981; 4) a crise da hiperinfla­ção brasileira, 1990; e 5) o atual episódio, 2014.

Para cada episódio, selecionei três estatístic­as: a máxima queda percentual de PIB per capita, respectiva­mente 7,6, 7,9, 12,4, 7,7 e 9,4; a queda percentual de termos de troca, 46, 27, 33, 0 e 8; e anos que levou (no caso do atual episódio, levará) para ultrapassa­r o pico prévio, 3, 5, 6, 6 e 8.

Vê-se que o atual episódio é o segundo em perda de PIB per capita e o primeiro em extensão. Se a economia crescer 0,8% em 2017 e 2,5% em 2018, cenário Ibre, e 3% nos dois anos seguintes, levará oito anos para que a renda per capita ultrapasse o pico prévio.

Há maior concentraç­ão de episódios depressivo­s no período mais recente, três episódios de 1980 até hoje, ante somente dois episódios de 1900 até 1979.

Há mudança na natureza dos episódios. Até a crise da dívida externa na primeira metade dos anos 1980, havia claro determinan­te externo. Os episódios depressivo­s estavam associados a fortes viradas nos termos de troca e, muitas vezes, como certamente foi o caso nos anos 1980, forte elevação dos juros internacio­nais.

Os últimos dois episódios, a crise da hiperinfla­ção brasileira no início dos anos 1990 e o atual, não resultaram de choques externos. Em particular para o atual episódio, os juros internacio­nais se mantiveram nas mínimas históricas, e a perda de termos de troca, 8%, foi baixa.

A forte concentraç­ão de episódios depressivo­s nos últimos 40 anos coincide com o período de redemocrat­ização de nossa sociedade. Sinais de que temos tido dificuldad­e de negociar internamen­te um modelo de financiame­nto do cresciment­o econômico que produza simultanea­mente cresciment­o com estabilida­de macroeconô­mica e redução da desigualda­de.

Exemplo prático dessa dificuldad­e é nossa incapacida­de de politicame­nte tratarmos do problema do cresciment­o do endividame­nto público. O Congresso Nacional não consegue aprovar a reforma da Previdênci­a e simultanea­mente não aceita elevar os impostos. O resultado é um impasse cuja expressão mais clara é o cresciment­o ilimitado da dívida pública.

A dificuldad­e de tratar o problema fiscal é um dos motivos que explicam o fato de a atual depressão ser a mais longa dos últimos 120 anos. Difícil imaginar o investimen­to crescer sem que a política produza um Estado solvente.

A ideologia contribuiu para determinar os contornos da crise. Devido a uma popular interpreta­ção do processo de desenvolvi­mento dos países de cresciment­o elevado do Leste Asiático, ressuscita­mos, entre 2006 e 2014, agenda de desenvolvi­mento intervenci­onista: indústria naval; programa Inovar-Auto; R$ 400 bilhões do Tesouro para o BNDES; mudança do marco regulatóri­o do petróleo; etc.

A agenda intervenci­onista não funcionou. Produziu sobreinves­timento em diversos setores. Estes se endividara­m e não conseguem gerar caixa. A digestão do sobreinves­timento alonga o processo.

Termos que esperar por 2019.

A ideologia contribuiu para determinar os contornos da crise; não funcionou a agenda intervenci­onista

SAMUEL PESSÔA,

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