Falta de segurança afeta mais as mulheres
Novo índice mostra que elas são mais vítimas, correm mais riscos e têm mais medo em dez problemas analisados
Agressão sexual é item com maior abismo por grupos; pobres, negros e jovens também estão entre os mais atingidos
A agressão sexual é o item que apresentou a maior desigualdade no novo Índice de Efetividade da Segurança Pública, criado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e pelo Datafolha.
O índice para esse crime foi de 0,56 para mulheres, 0,17 a menos do que para homens —a maior diferença verificada entre grupos separados por gênero, cor, renda e idade.
Além da agressão sexual, a mulher tem mais medo, é mais vítima e corre mais riscos em todos os itens avaliados pela pesquisa. O índice geral para mulheres, de 0,56, é 0,05 pior do que para homens —também a maior diferença entre grupos demográficos do levantamento.
A depiladora Debora Muniz, 31, diz que sente essa insegurança diariamente. “Mulher é muito vulnerável, falo por experiência própria”, diz.
Aos cinco anos, Debora foi estuprada pelo namorado da mãe. Quando fez nove anos, foi estuprada novamente, dessa vez por um tio.
Os crimes tiveram impactos psicológicos graves, e hoje Debora se considera “paranoica” com segurança —ela tem muito medo de sofrer novas agressões sexuais.
No último mês, deixou de usar aplicativos de transporte sozinha, após uma experiência negativa com um motorista. “Ele perguntou se eu era casada, disse que eu era bonita e falou: ‘você não quer que eu te leve para algum outro lugar?’ Fiquei com muito medo”, conta ela, que mora em Interlagos (zona sul).
Debora também não anda a pé de noite ou de manhã cedo sozinha e muda de trajeto toda semana, para evitar que alguém a siga na rua.
“Uma vez estava caminhando perto de casa, por volta das 6h, e um carro parou perto de mim. Um homem tentou me arrastar para dentro, me puxando pelo braço. Lutei, gritei, e ele acabou desistindo”, diz ela. “Foi horrível, fiquei muito assustada”.
Debora também relata assédios nos transportes públicos, mas diz que não denuncia por “medo e vergonha”. “Fora que não adianta fazer registro, só funciona quando é flagrante. Mesmo assim não dá em nada, o cara é solto logo depois”, afirma.
Além das mulheres, a pesquisa mostra que negros, jovens e pobres também estão mais vulneráveis.
O índice para pessoas entre 16 e 25 anos é 0,03 mais baixo do que para a faixa etária de 60 anos ou mais.
O item com maior diferença, de acordo com a idade, é roubo e furto. Para os jovens, o índice para esses crimes é de 0,42 —0,11 a menos do que para os mais velhos.
“Isso provavelmente está ligado à maior presença dos jovens no espaço público”, diz o diretor presidente do fórum, Renato Sérgio de Lima. NEGROS No caso dos negros, o índice, de 0,57, é 0,03 mais baixo do que para brancos. Os itens que apresentam maior desigualdade por cor são: ser acusado de crime, ser vítima de violência da polícia, ter filhos presos injustamente e ser vítima de agressão sexual. O índice é pior para negros em todas as variáveis, exceto em “sequestro-relâmpago”.
“O racismo fica explícito nesses resultados, como o medo de ser acusado de um crime injustamente ou da violência policial”, explica o diretor de pesquisas do Datafolha, Alessandro Janoni.
“De nada adianta a pessoa ter a polícia na porta se isso é uma ameaça para ela. Para o poder público pode ser eficaz, porque cumpriu uma meta, mas para a população não é efetivo, porque a polícia não trouxe uma sensação de segurança”, afirma. MAIS POBRES Os mais pobres também são mais impactados pela insegurança. O índice para pessoas com renda familiar de até dois salários mínimos é de 0,58 —0,03 a menos do que para famílias com mais de dez salários mínimos.
Os itens com maior desigualdade são: vítima de agressão sexual (0,1), ser acusado de crime injustamente (0,06) e parentes envolvidos com drogas (0,05).
“A segurança pública é mais efetiva para quem já tem um conjunto de direitos conquistados, como o homem branco de classe alta. E é muito menos efetiva para os pobres e negros”, afirma Lima.
Para ele, as diferenças do índice mostram que é preciso investir em ações focalizadas. “Se não pensar a segurança de forma separada, levando em conta questões raciais, de gênero, de idade e por região, vamos só reforçar desigualdades. E não conseguiremos cumprir o que está previsto na Constituição: a segurança como um direito social universal.” (ME)