DOCE AMARGO
Dois anos após tragédia de Mariana, desafio para reparação social se tornou maior que o processo de recuperação dos estragos ao ambiente
A tragédia de Mariana (MG), em 5 de novembro de 2015, desencadeou também uma avalanche de desinformação. Declarou-se a morte de um rio, o Doce, que já era defunto há muito tempo.
Com 19 mortos e 39 milhões de metros cúbicos de rejeitos da mineradora Samarco derramados, o rompimento da barragem de Fundão teve de início mais destaque como desastre ambiental do que social.
Não à toa: o volume de lama já foi comparado ao Corcovado do Rio. Correu o mundo como maior desastre ecológico da mineração mundial. Dois anos depois, de certo modo a imagem se inverte.
“A natureza está se recompondo muito mais rápido do que se esperava”, comemora Roberto Waack, presidente da Fundação Renova (entidade independente criada para consertar o estrago). “A questão social é infinitamente maior que a ambiental.”
Quem circula pelos 670 km de cursos d’água entre Bento Rodrigues (distrito de Mariana) e Regência (ES), na foz do Doce, ouve muitas reclamações contra a Renova. A maioria se refere a indenizações, raramente ao rio.
A fundação terá pelo menos R$ 11 bilhões até 2030 para recuperar a bacia e compensar os atingidos. De agosto de 2016, quando entrou em funcionamento, até outubro deste ano, aplicou R$ 1,8 bilhão.
Desse valor, R$ 500 milhões (28%) se destinaram a indenizações e antecipações por danos sofridos, cujo pagamento só será concluído em 2018. O total desses itens deve alcançar entre R$ 1,2 bilhão e R$ 1,5 bilhão.
O processo caminha de modo lento e conturbado. Há 220 mil pessoas em consideração nos 39 municípios de dois Estados, dezenas de instituições envolvidas e muita burocracia para comprovar rendas e prejuízos.
Em 15 meses, a Renova fez 1.715 reuniões, com 53 mil participantes. Foram distribuídos 8.274 cartões de auxílio financeiro, no valor de um salário mínimo mensal. Há 362 famílias por reassentar nas vilas afetadas, Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo e Gesteira.
“Esse cartão para mim não faz diferença nenhuma”, ressente-se Joubert Macario de Castro, 42. Dono da Mercearia do Betinho em Gesteira, ao lado da capela de Nossa Senhora da Conceição, ele afirma que tinha renda de R$ 5.000 a R$ 6.000.
Com três dependentes, diz que só acumula dívidas. Mostra a paredinha ladrilhada que já foi seu balcão, hoje cercada de lama seca e mato. Reclama que a Renova não dá atenção para casos individuais. NÃO É REJEITO Bem mais rápido andou a recuperação dos córregos próximos do local do desastre.
Nos primeiros meses, ainda antes da Renova, a Samarco trabalhou no reforço das estruturas remanescentes da mineração e na reabertura dos acesso às vilas e propriedades. No entanto, a maior parte dos rejeitos —uma mistura de areia e lodo contendo ferro e manganês— se espalhava pelas calhas e margens dos rios.
No Gualaxo do Norte, que banhava Bento, Paracatu e Gesteira, a onda de lama chegou a subir 6 km contra a corrente e a galgar até 50 m pelas encostas. Depois refluiu e tomou o rumo do rio Carmo para despejar-se no Doce.
O agrônomo Thomás Ferreira, 36, lidera o setor de Operações Agroflorestais da Renova. Sua equipe já concluiu a reconformação das margens de 101 tributários do Doce.
Esses rios menores abasteciam a população, pois ninguém se arriscava a beber do rio principal, poluído por esgotos. Foram poucos os locais onde se retirou a camada de rejeitos. Em geral, a Renova limitou-se a reforçar os barrancos para conter a erosão.
Nas margens, a opção foi um processo de regeneração com auxílio de biomantas, malhas biodegradáveis para evitar que a chuva levasse embora o solo e as sementes de gramíneas e leguminosas.
“Não é mais rejeito”, afirma Ferreira. “[O solo] foi formado por rejeito, mas já virou outra coisa, tem fluxo de matéria orgânica. O vant [drone] mostrou mato com 2,5 m de altura em cima de rejeito.”
A Renova tem por meta restaurar matas em 470 km² na bacia do Doce. Até outubro fez 30 km² de plantio emergencial. Cercou e iniciou o reflorestamento de 511 das 5.000 nascentes que planeja recuperar.
A restauração florestal exigirá 30 milhões de mudas, que começaram a ser produzidas no Instituto Terra, do fotógrafo Sebastião Salgado, em Aimorés (MG). Neste mês começam a ser plantadas as primeiras 306 mil. BANCO DE AREIA